Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 18.03.1975

Barra

A Viagem do Barquinho

“Uma viagem deve ser uma festa”. Sylvia Orthof, baseada nesta afirmação da lavadeira, consegue fazer com que as crianças presentes ao teatro participem de uma viagem poética e repleta de ternura. Seu espetáculo (texto e direção). A Viagem do Barquinho – estreado neste fim de semana, no MAM – procura atuar sobre a disponibilidade que todos temos de nos abrir para as experiências da vida: “ir e voltar sem tempo de chegar”. A liberdade do barquinho e o egoísmo de seu dono são trabalhados de modo a que paire, no ar, um constante sentimento de soltura, de busca, de aventuras e descobertas. O texto, primeiro lugar no Concurso de Peças Infantis promovido pela Fundação Teatro Guairá, é uma obra inteligente, que consegue aliar uma boa capacidade de percepção poética da realidade a uma linguagem que fala com as crianças com muita fantasia e simplicidade. A peça tem certos trechos que merecem citação, como só gente sem imaginação é que não pode voltar; ou as nuvens ultimamente andam tão sem responsabilidade; ou como é que você pode amar uma pessoa e querer que ela seja sua?; Ou, ainda, você vai cometer a infelicidade de ser feliz para sempre.

A montagem é digna do texto: torna-o claro e amplia seu significado através da ação e da forma. O espetáculo consegue unir um tom profundamente auto ilusionista a uma atmosfera de muita fantasia (a mala; o sonho; a ideia de temperar o rio, porque ele está muito doce). A encenação é extremamente bem cuidada, sendo visível o esmero existente na criação de cenário, figurinos, bonecos e adereços. O único senão existente está no ritmo: a direção ainda não descobriu a fórmula ideal e o espetáculo se arrasta um pouco (mas esse problema certamente será logo resolvido a partir das repetições dos contatos entre a montagem e o público).

A influência positiva da direção é notada, ainda, quando se analisa a interpretação dos atores. Claudia Orthof (lavadeira), Sylvia de Silva (menino), Ge Orthof (azul) e Reginaldo de Silva (verde) demonstram muita autoridade no que dizem e no que fazem. Nota-se que foram dirigidos com muita firmeza; suas inflexões e suas marcas são tão eficientes quanto descontraídas. As maiores exigências estão com Cláudia e Sílvia e ambas saem-se muito bem, sendo comunicativas, criando um clima de veracidade para seus personagens e deixando-nos bons momentos, como a perda de respiração da lavanderia, por exemplo.

A música de Chico Moreira é bonita, terna e adequada ao espetáculo. Todo o clima que envolve o final deve sua eficácia à música do barquinho. A Viagem do Barquinho é uma peça inteligente e que foi montada com muito cuidado e certo brilho, estabelecendo momentos de poesia e beleza. E, para uma encenação que tem achados tão interessantes como o do vagalume, aquele parabéns para você só pode soar como uma apelação totalmente gratuita. Depois que o espetáculo descobrir seu ritmo e depois que puder contar com um espaço maior (na sala Corpo/Som, para onde irá brevemente, a montagem crescerá bastante) o público infantil irá identificar-se mais e mais. E o barquinho irá deslizar cada vez mais tranquilo, provando para todos que uma viagem deve ser, sempre, uma verdadeira e maravilhosa festa.

Recomendações:
Sem restrições: História de Lenços e Ventos
Com pequenas restrições: Você Tem um Caleidoscópio?, A Viagem do Barquinho A Varinha do Faz de Conta.