Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 12.11.2005
Viagem bem conduzida
Vale a pena ver Viagem ao Centro da Terra
Viagem ao Centro da Terra comemora os dez anos da Cia. de Teatro Artesanal, que produz espetáculos de qualidade para crianças. A adaptação do clássico escrito por Júlio Verne resgata o autor e sua obra e cita as grandes invenções do século 19, como o transporte ferroviário e o cinematógrafo.
O trabalho da companhia se notabiliza pelo extremo cuidado – realmente artesanal – de seus espetáculos, fazendo jus ao nome. Além disto, a companhia exibe um trabalho autoral que, além da plasticidade, prima por uma representação que nos remete a commedia dell’arte, à farsa, construindo suas cenas à vista do público e revelando a teatralidade do que está sendo encenado.
A montagem anterior da companhia, D. Giovanni, no entanto, já apontava para alguns problemas que se acentuam nesta. Há uma preocupação excessiva com a imagem teatral, em detrimento da estrutura dramática da história contada.
A direção de Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves, se utiliza de todas as linguagens possíveis ao seu alcance: o teatro de sombra, o teatro de bonecos, a manipulação de panos, projeções. Tais recursos provocam sensações sinestésicas, como o vento, que sopra sobre a plateia com o uso de dois ventiladores, um trem de ferro mecânico…
Mas há tantas linguagens em cena que a narrativa acaba se tornando prolixa. Dessa forma o texto, adaptado por Bicalho, sofre com a falta de estrutura dramática mais rigorosa.
A narrativa cênica sofre também com as excessivas intervenções do narrador, numa história mais contada que mostrada, dificultando o entendimento. Citações técnicas de descobertas científicas, inclusive com nomes estrangeiros, tentam ressaltar a importância de Julio Verne e situar sua obra no contexto cultural da época, mas acabam por atrapalhar.
A pesar dos problemas, fica evidente a qualidade do trabalho, a pesquisa realizada, a seriedade com que a Cia. Artesanal desenvolve sua proposta teatral.
O criativo cenário de Karlla de Luca põe em cena um laboratório de inventos – quatro escadas e alguns manequins, guarda-chuvas pendurados e luminárias rústicas são suficientes para definir o espaço onde se desenvolve a narrativa.
Bem humorados, os figurinos de Henrique Gonçalves, além de recriarem com fidelidade a época, têm uma escala cromática harmônica, notando-se um aprimoramento em relação a seus trabalhos anteriores.
A cena é belamente iluminada por Alexandre Nazareth, que costuma participar dos trabalhos da companhia. Neste, sua contribuição é decisiva para definir os espaços cênicos e ajudar a contar a história com inventividade, a partir de um desenho de luz arrojado e criativo – sem dúvida, um de seus melhores trabalhos.
O elenco prima pela construção de personagens, a partir de uma forte caracterização, com perucas e apliques de Maria Gomes e a maquiagem de Nilton Marques. O excelente e expressivo trabalho corporal tem a direção de movimento de Paulo Mazzoni.
Um dos pontos altos do espetáculo é justamente a precisão e limpeza do gestual e da movimentação do elenco, que tem seu destaque em Edeilton Medeiros, interpretando o professor Lidenbrock.
Trata-se de m espetáculo que, por comemorar os dez anos da companhia, sugere um momento de reflexão sobre questões que levem adiante esta caminhada de sucessos.