Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 20.02.1977

Barra

Os “pobrema” do Chapeuzinho Vermelho

Inicialmente, é necessário chamar a atenção para a jogada oportunista dos produtores. Maria Clara Machado resolve, um dia, escrever uma peça chamada A Verdadeira História da Gata Borralheira, que é encenada com muito sucesso de público e de crítica e que recebe convite para representar o Brasil no Festival de Nancy. O que faz Dino Romano? Escreve uma peça chamada (ah, a originalidade!) A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho, uma semelhança verdadeiramente estranha, mas, por certo, nada intencional. Foi apenas de propósito mesmo.

Entretanto, a diferença de uma “verdadeira história” para a outra pode ser bem definida através da diferença que existe entre o verdadeiro teatro e o desrespeito pelo público. A criatividade do diretor limita-se a parar a narrativa da história, colocar uma música e criar uma paupérrima dança (avó passando roupa; o lobo se vestindo); a criatividade do autor, ao estabelecer uma “verdadeira história”, limitou-se a criar uma total confusão na tentativa de explicar o porquê do apelido de Chapeuzinho Vermelho (aliás, desde criancinha que eu já desconfiava do por que do apelido. Teria sido eu um privilegiado a enxergar coisas que ninguém via? Ou será que os produtores dessa montagem na realidade enxergam muito pouco?).

Sem querer gastar espaço com detalhes educativamente escandalosos como o do ator que, atuando para crianças, fala pobrema; e sem querer gastar espaço com detalhes definindo o improviso e o interesse meramente comercial do trabalho, como a utilização de uma aparelhagem de som sem um mínimo de qualidade ou como a utilização de uma roupa de urso para vestir um lobo – eu gostaria de gastar melhor este espaço procurando analisar três colocações feitas pelo texto. A primeira: será bom que a neta more com a avó porque assim será a sua companhia e a ajudará a passar roupa. Segundo: maldade se cura com uma aula de bons modos. Terceiro: só tem direito à liberdade quem tiver bons modos, (ou seja: o lobo deixa de ser mau recebendo aulas de bons modos, sendo, então, libertado para viver junto aos seus, na floresta).

Quando será que determinados autores de peças infantis passarão a ver criança como um ser humano que deve ser respeitado na sua individualidade? Quando se discute a hipótese de Chapeuzinho Vermelho ir morar com a vó, em nenhum momento se leva em consideração o que a criança (Chapeuzinho) esta achando disso tudo. O que interessa é que a criança como objeto vai servir aos interesses dos mais velhos, sem qualquer estímulo a sua autenticidade. E agora me ocorre o seguinte: geralmente os produtos que montam textos onde a criança é objeto são os mesmos que tratam como objeto comercial, a plateia infantil. Parece que, na realidade, é desta maneira que veem a criança: como um elemento sempre disponível a servir aos interesses dos mais velhos. A maldade ser curada bons modos e a limitação do exercício da liberdade apenas para aqueles que têm bons modos mostra claramente que o autor entende tanto de liberdade como de bons modos. Ou seja: nada.