Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 11.07.1976
Uma gata muito boa
Quando o ponto de partida é um bom texto, metade do caminho está andando. E quando existe direção e produção (incluindo aí a seleção de nomes) de bom nível, facilmente alcança-se a meta final; um espetáculo significativo e dentro dos melhores padrões profissionais.
A peça de Maria Clara Machado é saborosa, ao estabelecer uma visão bem humorada e crítica da clássica história da Cinderela. Nesta versão “verdadeira”, o príncipe é um espanhol falido, a fada usa inteligência e habilidade ao invés da varinha de condão, a ação se passa em Minas Gerais e Cinderela esquece o sapatinho de propósito. Toda comicidade e comunicação do texto com a plateia faz-se em níveis diversos, numa tentativa de atingir tanto o interesse da criança como o do adulto. (parece-me inclusive que, pelo tom dado ao espetáculo, esta seria uma montagem para motivar bastante o público adolescente). Há piadas que escapam às crianças (Margareth e Rose / “pardonados” / Dr. Morangui), mas em nenhum momento a peça rompe a comunicação com a plateia infantil.
A direção de Wolf Maya é criativa, ampliando o interesse já inicialmente despertado pelo texto. Num tom alegre, solto, divertido, seu trabalho mostra uma nítida linha de desenvolvimento que começa em Maroquinhas Fru-Fru, o deslumbramento era maior (marcas mais divertidas, coreografia mais elaborada, imagens cênicas mais expressivas), mas, em compensação. A montagem corria meio capenga, ressentindo-se de uma maior estruturação. Com a Gata Borralheira, o espetáculo é muito bem “amarrado”, a “escrita” é bem mais clara. E a encenação é também criativa. Wolf Maya é muito auxiliado (e se vale disso) pelo trabalho de Acácio Gonçalves (cenário/figurinos), principalmente no que se refere às roupas, as quais lançam aos olhos do público um bombardeio de cores (especialmente aos olhos infantis) e de crítica. O cenário é um achado inteligente que leva em consideração que o teatro infantil tem de adaptar-se aos espaços que surgirem. Outro grande ponto de apoio da direção é a musica, entregue a Paulinho Machado, que trabalhou com composições suas, de Mozart e de Carlos Lira. A música é gostosa, cria climas, diverte. Pena que não tenhamos música ao vivo e se utilize o recurso do play back – o que, geralmente, leva os atores a uma atuação menos verdadeira.
E o decisivo trunfo da direção está na seleção e orientação do elenco. Os atores pegaram o tom proposto pelo diretor e apresentam desempenhos descontraídos, seguros e significativos. A trinca formada por Ângela Leal (madrasta), Louise Cardoso (Margaridinha) e Sandra Pêra (Rosinha) pontifica do início ao fim do espetáculo. Das três, quem ainda mais me agrada é Louise Cardoso (que diferença no trabalho de corpo de seu levíssimo gato, no Dragão, para a atual filha pesadona e nada graciosa). Cida Sauer, como Cinderela, atua Cinderela, atua corretamente, mas nota-se a ausência de maior preparo vocal. Júlio Braga, como Príncipe é o único que destoa; mostra-se sem preparação, sem voz e em nenhum momento alcança o nível dos demais atores em papéis-chaves.
A Verdadeira História da Gata Borralheira de Maria Clara Machado, com direção de Wolf Maya, é um programa totalmente recomendável. (Não confundir com O Sapatinho de Cristal de Cinderela em cartaz no Teatro de Bolso).