Vanessa Dantas



O Primeiro Contato

Nasci em São Vicente, uma cidade litorânea de São Paulo. Meu primeiro contato com o teatro não foi dentro de uma sala de espetáculos, mas sim dentro de uma sala de aula. Minha mãe era professora de escola pública, alfabetizadora de turmas de primeiro e segundo ano do ensino de primeiro grau. Em suas aulas, ela incluía o teatro. Tínhamos em casa um pequeno teatro de marionetes, de madeira azul, com cortinas vermelhas e algumas marionetes.

Quando ela levava esse teatrinho para escola, eu ia junto para assistir as apresentações. Minha mãe chamava de A Hora da História. Esse foi o meu primeiro contato e minha primeira experiência. Com nove anos, passei a ajudá-la e também escrevia algumas histórias. Foi também com essa idade que assisti pela primeira vez um espetáculo de teatro: Chapeuzinho Vermelho, em um antigo cinema de minha cidade. Eu fiquei impressionada com tudo. Lembro até hoje do cheiro do lugar, um cheiro de aventura. Eu já sabia que queria fazer parte daquele universo.

Em São Vicente não tinha teatro, a gente não tinha contato. O único contato que tive na minha infância foi o que relatei. Então toda minha experiência de teatro, era do que eu fazia com a minha mãe.

Aos 14 anos, depois de terminar a oitava série, acompanhei uma amiga que queria fazer um teste para entrar na Escola de Teatro Célia Helena e acabei fazendo o teste também. Minha formação foi lá. A Escola é maravilhosa. Naquela época eu tinha professores incríveis como Ariel Moshe, Renato Borghi, Nelson Baskerville, Lígia Cortez…

A primeira vez a gente nunca esquece

O primeiro espetáculo que participei foi em 1993. Chamava O Reino Fantástico dos Sonhos, um musical do autor e diretor Naldo de Camargo, nunca vou esquecer…  Eu fazia uma fada. Foi minha primeira peça profissional, no Shopping Eldorado, em São Paulo.

A vinda para o Rio

Eu estava numa agência de modelos e 1996, passei num teste para a novela Salsa e Merengue, do Miguel Falabella. Mudei para o Rio e gravei a novela por quase um ano. Em 1998, me chamaram para fazer um teste para a novela Pecado Capital, de Glória Perez, com o mesmo diretor, Wolf Maia.

Como estava sentindo falta de fazer teatro, fui procurar um curso e encontrei na Casa de Cultura Laura Alvim, Susanna Kruger e Daniel Herz. A Susanna dava aulas terças e quintas e o Daniel segundas e quartas. Conclusão: eu fazia aula todos os dias, menos às sextas. Daniel me convidou para fazer a peça Scapino. Pela primeira vez que eu tive contato diariamente com uma companhia de teatro. Fiquei completamente apaixonada. Aí foram muitas viagens, apresentações. Foi com a Atores de Laura que eu aprendi a prática do ofício, tudo que envolve o palco e a coxia. Os próprios integrantes da Cia. também faziam a produção e fazem até hoje. Eu não sabia nada, fui aprendendo com eles. Foram meus mestres.

Assistente de Direção

Acabei virando assistente de direção do Daniel. Foram oito anos trabalhando com ele (2001 a 2009). Fui assistente de quatro musicais: Tom e Vinicius, o Musical – 2009; Geraldo Pereira, um Escurinho Brasileiro – 2005, Otelo da Mangueira – 2005 e A Glória de Nelson (sobre Nelson Rodrigues). Também fiquei uns oito anos na Casa de Cultura Laura Alvim, fazendo assistência de turmas que ele dava aula.

Começando a produzir

Paralelamente à Cia., eu escrevia histórias sobre o fantástico, contos de fadas… Mas guardava pra mim. Eu respiro o universo mágico. Tenho uma ligação muito forte com crianças. Estou com 45 anos mas minha alma é ainda de criança. Eu sentia falta de escrever pra esse público. Como a Companhia se auto produzia, eu não tinha muito tempo pra pensar em outras coisas fora da Companhia. Acabou que o desejo de tirar meus textos da gaveta foi crescendo e tive que ter muita coragem para seguir outra estrada sozinha. Foi uma etapa em que eu aprendi tudo com eles. E foi importante para eu saber que eu era capaz de fazer as minhas coisas porque, para abrir uma empresa, e começar a produzir, primeiro você tem que acreditar que você é capaz. Se eu não tivesse passado pela Companhia e ganhado toda a estrutura psicológica que eu ganhei, eu não teria feito nada que fiz até hoje, então foi fundamental a passagem pela Companhia.

Eu queria correr atrás do meu sonho, mas ao mesmo tempo ficava com medo de sair da Companhia, porque ali era uma família. Eles me protegiam, éramos unidos, e de repente eu estaria sozinha. Será que daria certo?

Abri minha produtora. Passaram dois anos sem eu conseguir captar nada. Entrava em todos os editais e não passava. Então comecei a pesquisar mais a fundo, a ligar para as pessoas, perguntar, entender como se fazia os projetos. Foi um novo aprendizado. Quando você não tem alguém para dividir, para discutir, é complicado. Foram momentos muito difíceis. Eu pensava: “Fiz besteira, não devia ter saído da Companhia. Agora fiquei sem a companhia e sem meus trabalhos”.

Até que resolvi montar por minha conta mesmo, em 2007, um texto meu: Verdade Verdadeira.

Era uma história sobre lendas folclóricas da minha infância. Eu e meu marido investimos sozinhos. Ele foi muito meu parceiro. O cenário era dele. Foi uma peça ousada pra quem tava começando uma carreira solo em produção. Era um musical grande, com 14 atores em cena, bonecos, uma loucura.

A peça entrou em cartaz no Teatro Miguel Falabella. Íamos ficar dois meses em temporada, acabamos ficando quatro. Foi um sucesso. A gente repôs um pouco do dinheiro que gastamos e consegui pagar a equipe direitinho. Todos os atores filipetavam e assim chamávamos o público. Todos eles também foram muito parceiros. A montagem desse espetáculo foi necessária para eu tomar confiança e ver que podia dar certo.

O Barbeiro de Ervilha

Depois da primeira experiência, ganhei um edital da Prefeitura do Rio, o extinto FATE. Karen Acioly, que era da comissão de escolha dos espetáculos, me ofereceu uma pauta no Teatro do Jóquey. Chamei o Daniel Herz para dirigir e o Leandro Castilho fez as músicas, que eram cantadas e tocadas ao vivo.

Cândido Damm, Vanessa Dantas, Tim Rescala

O programa Blim-Blem-Blom apresentado na rádio MEC recebeu da 10ª Bienal de Rádio do México a Menção Honrosa. A série apresenta de forma lúdica e bem-humorada o universo da música clássica para crianças.

Adaptação de óperas

Eu não tive uma formação musical. E quando criança eu não conhecia as óperas. Só adulta é que descobri. Eu estava numa livraria e vi um libreto do Barbeiro de Sevilha que me chamou a atenção. Acabei comprando. Até a idade adolescente eu sempre ouvia falar em ópera, mas as pessoas não costumam comentar que uma ópera é uma história cantada. Não é só canto. É importante uma criança saber que óperas são histórias. Ela passa a se interessar, eu diria até: a se apaixonar! Enfim, daquele dia em diante, por causa daquele livro, uma adaptação de Ruth Rocha do Barbeiro de Sevilha para crianças, eu comecei a estudar todas as óperas que fui encontrando. Comprei toda uma coleção e comecei a adaptar para o teatro infantil. Senti que eu precisava contribuir pra que as óperas chegassem até as crianças. Senti uma dor no peito de não ter crescido com elas.

Comecei pelo O Barbeiro de Ervilha (2010 – adaptação de O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, transposta para o Nordeste). Em seguida vieram A Borralheira – Uma Opereta Brasileira (2012 –adaptação de A Cenerentola, de Rossini, transposta para Minas Gerais) e o Elixir do Amor (2014 – adaptação de O Elixir do Amor, de Donizetti, transposta para os Pampas). Agora em 2020 estreio a opereta Iolanta – A Princesa de Vidro, uma adaptação para crianças da ópera Iolanta, de Tchaikovsky, transposta para o Rio de Janeiro do período colonial, com patrocínio da Eletrobras Furnas. Mas já tenho mais outros dois libretos adaptados para crianças também, prontos para serem captados: A Flauta Mágica e Turandot.

Uma coisa que acho interessante é que no Prêmio CBTIJ de Teatro para Crianças, vocês separam música original de música adaptada. São duas categorias muito diferentes para concorrerem numa mesma. Então achei maravilhoso vocês incluírem as duas na premiação.

Planos para o futuro

Eu estou num processo de estudo para levar o teatro para a internet, misturando-o com o cinema. Os youtubers têm muita responsabilidade com as crianças. Meu objetivo é estrear uma websérie, a princípio com 24 episódios. Chama-se Infinitamente Crianças Inteligentes e mistura arte, ciência, filosofia, mitologia e aventura. É uma Space Ópera, onde as duas protagonistas são youtubers.

Tem uma coisa muito legal da palavra inteligente: antigamente ela tinha outro significado. Inteligente vem do latim intelligentia, que está ligado ao verbo intelligere, em que o prefixo inter significa “entre”, e legere quer dizer “saber ler”. Ou seja, uma criança inteligente é aquela que sabe ler a si própria, sabe ler o outro, saber ler o Cosmo, enfim… A criança inteligente é aquela que sabe se relacionar, sabe se comunicar, sabe escolher, em harmonia com todas as criaturas que existem. Esta é a essência do Infinitamente Crianças Inteligentes. Eu quero misturar estas duas linguagens, teatro com audiovisual, trazer o teatro também para a internet, por quê não?

Para terminar, quero dizer que estou lisonjeada de vocês me chamarem para essa entrevista, porque no site do CBTIJ só tem fera. Fiquei muito feliz de vocês me convidarem. O trabalho que vocês fazem – e sem verba de patrocínio – é pra gente ter muito orgulho! Viva os artistas cariocas! Viva os artistas brasileiros! Viva o teatro!

2006 – O Nariz de Prata, adaptação a partir do conto Il Diávolo del Naso D’Argento. Direção de Susanna Kruger. Teatro do Jóckey.
2007 – Verdade Verdadeira, texto original de Vanessa Dantas, Leonardo Bastos e Thaís Velloso. Direção de Vanessa Dantas e Thaís Velloso. Teatro Miguel Falabella.
2010 – O Barbeiro de Ervilha, adaptação da ópera Il Barbieri di Seviglia, de Gioacchino Rossini. Direção de Daniel Herz. Teatro do Jóckey.
2012 – A Borralheira – Uma Opereta Brasileira, adaptação de La Cenerentola, de Gioacchino Rossini. Direção de Fabianna de Mello e Souza. Teatro Oi CasaGrande.
2014 – O Elixir do Amor, adaptação da ópera L’Elisir D’Amore, de Gaetano Donizetti. Direção de Daniel  Herz. Teatro do Jóckey.
2017 – Tra Lá Lá, texto original inspirado na vida e obra de Lamartine Babo. Direção de Ana Paula Abreu. Teatro Oi Futuro Ipanema.
2018 – Thomas e as Mil e uma Invenções, texto original inspirado na vida e obra de Thomas Edison. Direção Fabianna de Mello e Souza. Teatro Oi Futuro Flamengo.

2002 – As Artimanhas de Scapino, texto de Moliére, direção Daniel Herz, Teatro Miguel Fallabela.
2004 – O Conto de Inverno, texto W. Shakespeare. Direção Daniel Herz, Teatro Miguel Falabella.
2006 – O Nariz de Prata, texto Vanessa Dantas. Direção Susanna Kruger. Teatro do Jóckey.
2006 – N.I.S.E., texto Maria da Luz e Cia. Atores de Laura. Direção Daniel Herz. Teatro Café Pequeno.
2007 – Verdade Verdadeira, texto Vanessa Dantas, Thais Velloso e Leonardo Bastos. Direção de Vanessa Dantas e Thaís Velloso. Teatro Miguel Falabella.
2010 – O Barbeiro de Ervilha, texto Vanessa Dantas. Direção Daniel Herz. Teatro do Jóckey.
2012 – A Borralheira, uma Opereta Brasileira, texto Vanessa Dantas. Direção Fabianna de Mello Souza. Teatro Oi Casagrande.
2012 – Decote, texto Cia Atores de Laura. Direção Daniel Herz e Susanna Kruger. Teatro Miguel Falabella.
2014 – O Elixir do Amor, texto Vanessa Dantas. Direção Daniel Herz, Teatro do Jóckey.

 

2009 – Vinicius, o Musical, texto Daniela Pereira de Carvalho e Eucanaã Ferraz. Direção Daniel Herz.
2005 – Geraldo Pereira, um Escurinho Brasileiro, texto Ricardo Hoffstetter. Direção Daniel Herz.
2005 – Otelo da Mangueira, texto de Gustavo Gasparani. Direção Daniel Herz.
2004 – A Glória de Nelson, texto Nelson Rodrigues. Direção Daniel Herz.

2012/2013 – Programa de Música Clássica para Crianças Blim Blem Blom, como autora em parceria com Tim Rescala, Rádio MEC FM.

Depoimento dado à Antonio Carlos Bernardes, na cidade do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 2019.