Matéria publicada no Jornal do Brasil – Caderno B (4 col. x 18 cm)
Por Lúcia Cerrone – Rio de Janeiro – 19.04.1997
Uma Lição de Vida para Ricardo Blat
Ator vida ano dividido entre o ‘melhor e o pior dos tempos’
Para o ator Ricardo Blat, o ano de 1997 tem sido, até o momento, como no conto de Charles Dickens, “o melhor e o pior dos tempos”. Na festa de entrega do Mambembe, mês passado, ele dedicou seu prêmio de melhor ator ao irmão Rui, morto poucos dias antes. A dor da perda não se misturou à alegria da festa, mas chega numa hora em que o ator está preparado para celebrar a vida. “Tudo ficou mais claro, tudo é muito mais urgente, não temos muito mais tempo para as coisas pequenas e para as mesquinharias. A vida tem muito valor”. Blat agora passa seis horas do seu dia estudando a versão para o francês, com o diretor Thierry Tremouroux, do texto de O Patinho Feio, ou Le Vilain Petit Canard, de seu irmão Rogério Blat, para se apresentar no Théâtre des Jeunnes Annés em Lyon, em junho, ao lado de mais três peças brasileiras.
Ricardo começou a estudar o texto em janeiro.”Eu me trancava no quarto com ar refrigerado e ficava lendo. Logo depois vi o filme O Livro de Cabeceira, de Peter Greenaway, que é sobre a palavra escrita e a caligrafia, então eu fiz também um exercício de caligrafia e copiei somente o som das palavras. Agora eu leio seis horas por dia como se estivesse fazendo exercícios numa barra. Como fazem os bailarinos quando se enchem de técnica para depois, na hora da apresentação, esquecer aquilo tudo e voar no palco. Eu quero que a plateia voe comigo. Quero me sentir um Jumbo”.
A dança esteve sempre ligada ao trabalho de Ricardo, que na verdade começou sua carreira querendo ser bailarino e ficou muito decepcionado quando não passou no teste para Jesus Cristo, Superstar, no teatro Aquarius em São Paulo. Na nova temporada de Na Solidão dos Campos de Algodão, peça adulta que faz com Gilberto Gawronski, também diretor de O Patinho Feio, chega duas horas antes para falar o texto, ou esquentar a boca, como ele mesmo diz, só para aquecer. “Quando entramos no palco, não temos a menor ideia do que vai acontecer, qual vai ser a negociação. Uma vez deixei o teatro e comecei a gritar na Vieira Souto, em frente ao Teatro Laura Alvim. O público ficou lá dentro com a absoluta certeza de que tudo aquilo que estava acontecendo era combinado”, conta.
Quando Ricardo Blat que não acredita em nenhum tipo de teatro convencional ou experimental, mas apenas no teatro, ele não está propondo nenhuma frase de efeito. Seu trabalho é o mesmo para qualquer plateia: infantil, adulta, comportada ou supostamente de vanguarda. “Eu acho um absurdo o ator que brinca de fazer teatro. Essa é uma brincadeira que não se faz com o público. As vezes é melçhor devolver o ingresso”.
Mesmo com tanta certeza do que é o teatro para ele, Ricardo não sabe precisar quando começou sua carreira. Não que a cronologia tenha se perdido. O Blat ator é um paulistano da Liberdade que aos 10 anos foi morar em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. Lá quando terminou o clássico, dava aulas particulares para crianças e aos sábados e domingos se internava no Teatro Experimental Mogiano (em Mogi das Cruzes). Em São Paulo atuava numa super montagem de O Rapto das Cebolinhas, de Maria Clara Machado, quando foi convidado por seu primo o diretor teatral, Roberto Lage, para fazer um teste com Antunes Filho para Peer Gynt. Passou e ganhou do diretor o apelido de Peter Pan, porque nesta época já voava no palco.
“Quando me perguntas quando é que eu comecei a fazer teatro”, diz Ricardo, “eu nunca sei responder muito bem. Acho que foi quando eu tinha 5 anos e assisti a 20.000 Léguas Submarinas, coloquei uma escada no quintal da minha casa e comecei a descobrir o fundo do mar”, lembra. Completamente eclético em seu repertório, o Blat ator se sente um privilegiado em ter trabalhado com diretores tão diferentes. Com Cacá Rosset em Teledeum, Flávio Rangel em A Capital Federal, João Bittencourt em No Sex Please e André Villon, no Teatro Mesbla. “Todo dia eu entrava no palco, e fazia uma cena que não surtia o menor efeito na plateia. Um dia o André me disse: “Sabe por que ninguém ri da sua cena? O tempo está errado. Você tem que fazer assim, entra, não pensa em nada, conta até três e diz sua fala.” – “Foi uma gargalhada geral.”
Sem que esse tempo de palco tenha tornado sua arte mecânica, o Blat ator está pronto para mais uma aventura teatral; como as 15 apresentações, que fará em Lyon, em francês, para uma plateia totalmente desconhecida, ou para palpitar no mais novo texto do irmão autor Rogério. Porém, a síntese teatral dos Blat tem um segredo. É ele quem conta: “O meu equilibro e do Rogério está na nossa mãe Antônia. Quando as ideias começam a ficar muito interplanetárias, ela prepara um feijão com arroz bem quentinho e serve com bife à milanesa. É o jeito dela nos mostrar que o melhor está na simplicidade”. Pelo resultado que vem obtendo, a estratégia, sem dúvida nenhuma, é para lá de eficaz.