Crítica publicado em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 20.03.2004
Uma Estória para Calibã: Peça tem direção cuidadosa e ótimo elenco
Texto com altos e baixos é salvo por montagem em que tudo é perfeito
Sem qualquer sinal ou aviso prévio, um autor decide abandonar seus personagens à deriva. Decepcionados com o fato de estarem em cena, sem nenhuma história, para contar, eles resolvem tomar as rédeas do espetáculo. E são as ideias descoordenadas dos dois que compõem Uma Estória para Calibã, texto da paulistana Marilú Alvarez, em temporada no Teatro do Jockey, sábados e domingos, às 18h30m, sob direção de Beto Brown.
Apesar de não ser nova, a ideia da peça é boa e pode render muito pano para manga. Mas, ao mesmo tempo, ela é um tanto arriscada. Atores em cena, sem um texto para seguir, normalmente improvisam – o que pode surtir um ótimo efeito ou transformar-se num desastre. Uma Estória para Calibã não se encaixa num extremo nem no outro. O texto de Marilú alterna cenas divertidas, como a do peniquinho, a do rei autoritário e seu conselheiro dorminhoco, com longos diálogos entre os personagens – estes últimos, bastante cansativos para o público infantil.
Músicos do Afro-Reggae fazem trilha primorosa
Como são só dois atores fica com eles a responsabilidade segurar a atenção das crianças durante todo espetáculo. E isso parece ter sido uma missão fácil para a dupla Juliana Martins e Heitor Martinez. Muito graciosa no palco, a atriz vive com tranquilidade seus diferentes personagens, divertindo os pequenos. Martinez, por sua vez praticamente “hipnotiza” o público infantil. Com total domínio do trabalho corporal e tempo certo para dizer suas falas, ele estabelece uma cumplicidade tão grande com as crianças que, nos poucos momentos em que sai de cena, elas cutucam a mãe e perguntam: “Cadê o Calibã?”
Reparando a injustiça cometida no parágrafo anterior, os dois atores não estão, na verdade, sozinhos em cena. Eles estão acompanhados por Tony Fashion e Neguinho, dois músicos do grupo Afro-Reggae que, exímios companheiros de seus incríveis e variados instrumentos de percussão, vão pontuando com graça todo o espetáculo. O diretor musical Eduardo Lyra compõe uma trilha incidental primorosa, não deixando escapar nenhum momento em que os efeitos sonoros não sejam bem aproveitados na cena.
A cenógrafa Belí Araújo também acerta a mão, com um cenário simples, mas totalmente funcional. No fundo do palco, praticamente vazio, ela acrescenta um painel em tons pastel e, nas laterais, alguns manequins estilizados – suportes para os figurinos que são utilizados durante o espetáculo. Fora isso, apenas pedaços coloridos de papel no chão, que são integrados à cena quando necessário. O figurino de Karla Monteiro segue a mesma linha, o que auxilia os atores em suas rápidas troca de personagens. Concluindo a ficha técnica, a competente iluminação de Beto Brown, que transfere os costumeiros holofotes da boca de cena para o fundo do palco, dando um efeito especial à história que está sendo contada.
Em Uma Estória para Calíbã, Beto Brown mostra como uma direção cuidadosa, aliada à escolha do elenco certo e de uma ficha técnica competente, pode minimizar os altos e baixos de um texto, transformando-o num espetáculo muito interessante e divertido para o público infantil.