Um Soldadinho: elenco estabelece grande empatia com o público

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 14.11.2004

 

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Um Soldadinho de Chumbo: Espetáculo agradável atrai mais pela beleza cênica do que pelo texto

Mais perto dos olhos do que dos ouvidos

Quando o público entra no Teatro Maria Clara Machado, vê, no centro do palco, uma das atrizes de Um Soldadinho de Chumbo fazendo barquinhos de papel. Ela é a intérprete de Matias, que, com seu amigo Pablo, vai contar às crianças a história de Um soldadinho de chumbo, texto criado por Carlos Cardoso a partir do conto do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen.

Nesta livre adaptação, Matias, um menino que vive num dos muitos condomínios espalhados pelo Rio de Janeiro, ganha um soldadinho de chumbo perneta. Como é muito criativo, não se importa nem um pouco com o defeito do boneco, dando logo um jeito de improvisar uma muleta pa­ra ele e de colocá-lo na estante junto com seus outros brinquedos. Só que, por descuido da empregada, o soldadinho vai parar na janela do apartamento, de onde acaba caindo.

Inconformado com a perda, Matias recruta seu amigo Pablo para ajudá-lo a procurar o boneco. Mas os esforços dos meninos são inúteis, já que o soldadinho caiu no bueiro, iniciando uma aventura nos esgotos da cidade e depois no mar. Como última tentativa de reaver seu boneco, Matias come peixe todos os dias e, para surpresa das crianças, a estratégia dá certo e o soldadinho acaba retornando ao seu legítimo dono.

Casamento perfeito entre o cenário e a iluminação

Para desenvolver sua história, Cardoso cria diferentes situações dentro da peça: os bonecos da estante ganham vida, passando a ser manipulados pelas atrizes; o soldadinho embarca num barco de papel, encontrando dois ratos no esgoto da cidade; e mais tarde, depara-se com dois cavalos-marinhos no fundo do mar. Além disso, ainda acontecem as cenas entre os dois meninos no apartamento de Matias, algumas com a participação da empregada. E essa estrutura não favorece a dramaturgia da peça, já que, em algumas dessas cenas, como a dos ratos, por exemplo, os diálogos são muito longos, tornando-se cansativos e provocando uma certa dispersão no público infantil. Nesses momentos, o que mantém a atenção das crianças é o perfeito casamento entre o cenário de Cica Modesto e a iluminação de Luiz Paulo Nenên.

O cenário de Cica, composto por caixas de papelão de diferentes tamanhos e formatos e por objetos confeccionados com material sucateado, atende perfeitamente tanto as exigências dos diferentes ambientes propostos pelo autor quanto às necessidades de deslocamento das atrizes em cena. Simples, bonito e criativo, ele se presta perfeitamente às brincadeiras inventadas pelos meninos e às aventuras do soldadinho. Mas, sem dúvida, o cenário e os adereços de Cica Modesto são muito valorizados pela sensível iluminação de Nenên., especialmente inspirada no momento em que ressalta as plantas que brotam no fundo do mar. E é a beleza de cenas como esta que, em alguns momentos, faz com que o público se desligue do que está sendo dito pelas atrizes para se fixar na poesia do que está sendo visto.

Inês Cardoso está perfeita no papel de Matias

Inês Cardoso está perfeita como o menino Matias, estabelecendo grande empatia com o público infantil, principalmente nas cenas em que ela e Fernanda Donini, também convincente no papel de Pablo, encenam brincadeiras muito próximas das crianças. Flávia Fafiães também não encontra problemas para viver a empregada ou para manipular os bonecos.

Os diretores, Carlos Cardoso e Mário Piragibe, tiram bom proveito de todos os elementos cênicos de que dispõem, fazendo de Um Soldadinho de Chumbo um espetáculo agradável, que, não se pode deixar de dizer, chega mais às crianças pelos olhos do que pelos ouvidos.