Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 08.05.1975

Barra

Estranhamente, essa é a segunda peça, em cartaz no Rio, que procura lançar, na mente das crianças, a incrível ideia de que o ser humano seria mais feliz se fosse um boneco de verdade. A transformação do homem em objeto já fora defendida anteriormente pelo Palhacinho da Loja ABC. Agora com Um, Dois, Três… Era uma Vez, o autor Luís Sorel coloca na boca de seu personagem Polichinelo a seguinte frase:

– “Como bonequinho, eu serei mais feliz. Crianças, me ajudem. Se eu me concentrar e pensar em virar boneco eu acabo conseguindo. Pensem assim: você vai virar boneco”.

O texto peca, principalmente, por ser dispersivo. Afinal, que história está sendo contada? A dos atores que vão fazer uma peça? A do apresentador e seus bonecos? A dos bonecos que não poderão fazer o espetáculo porque o Apresentador escondeu o Polichinelo? Ou a história do outro Polichinelo que foi expulso do circo e esta à procura do irmão?

A encenação, também de Luis Sorel, caracteriza-se pela luta travada (inutilmente) para a obtenção de um estilo. Há instantes em que Um, Dois, Três... se pretende um musical; há instantes em que deseja, apenas, contar história; há instantes em que se anuncia como uma crítica ao mau teatro infantil. E, em resumo, o espetáculo não consegue se realizar debaixo de nenhum desses enfoques.

O que vem a ser uma pena, pois a montagem deixa, à mostra, inúmeras possibilidades, tanto como um espetáculo musical, crítico ou contador de histórias. Os atores estão seguros, dão conta do recado, são simpáticos e comunicativos, destacando-se o trabalho de Sueli Poggio. A atriz demonstra versatilidade, expressividade, charme. Luis Sorel e Jaime Duarte, se não brilham, só ameaçam comprometer o espetáculo em dois momentos: Luís quando canta; e Jaime, quando faz mímica de uma canção.

Os figurinos dos atores são bem cuidados, visualmente agradáveis. Já as roupas dos bonecos são demasiadamente neutras, inexpressivas. O cenário – como vem acontecendo com frequência no teatro infantil – é um dos setores mais desprezados, sendo artisticamente muito pobre. A tela, que toma conta de mais da metade do cenário, fica inútil até a cena final. E, nesta cena, a luz é tão forte que impede a visão daquilo que está sendo projetado.

Um, Dois, Três… Era uma Vez, recém-estreado no Teatro Gláucio Gill, é um espetáculo que peca por falta de definições. Faltam diretrizes nítidas ao texto e à montagem. De mais positivo fica o trabalho de Sueli Poggio; e, de mais negativo, essa concepção passiva e perigosa: melhor que sofrer as dores do mundo é ser boneco. E, alienando-se, não sentir nada.

Recomendações:

Com pequenas restrições: A Viagem do Barquinho, Você Tem um Caleidoscópio?, Pluft, o Fantasminha, Criançando.