Paulo Leão, João Elias, Marcelo Altomar, em Um dois três… já! de Cora Ronai

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Eliane Yunes – Rio de Janeiro – 10.05.1986

Pulando para o palco

É a primeira experiência do grupo Cia. De Acrobacia Meia Lua de Compasso, que há três anos perambula por circos e praças, brincando com o corpo e com a palavra. Encontram no texto de Cora Ronai, Um dois três e… já a medida ideal para pularem para o palco. Inspirado no Pequeno Nicolau, de Goscinny – uma série de curtíssimas e divertidas histórias de crianças às voltas com o sistema escolar – a versão brasileira recria todo o enredo no clima abaixo do Equador. Aqui as meninas são o eixo da\s atenções dos meninos e a disputa de seu afeto, motivo para brigas e exibições constantes, tão frequentes nesta idade. Tudo isto no tempo exíguo de uma última semana de aulas, extrapolando espaço da sala de aula pelo imaginário da turma. Na linha bem-humorada de seu Sapomorfose, este texto não se nega ao riso.

A simplicidade e agilidade do texto pediam um grupo cuidadoso e aplicado nos detalhes, desde a postura até a entonação das falas. Pois conseguiram. A direção segura, com marcações felizes, aproveitamento dos recursos acrobáticos do grupo e muita movimentação, prende o espectador ao texto da cena. Os atores estão muito à vontade no figurino traçado: os desempenhos fluem com tal naturalidade que provocam uma identificação mediata por parte das crianças maiores. Os menores se divertem com as peripécias do pirata ainda que percam a sátira do aluno “caxias” recitando a Canção do Exílio. Registráveis as soluções simples de cenário para as cenas como a dos piratas, a dos figurinos para o ensaio da peça de final de Ano.

Como a autora selecionou com muita acuidade as passagens marcantes do período d vida escolar – os recreios, as lorotas, os namoricos, os boletins, a crise com a vinda dos irmãozinhos, as brincadeiras e pequenas safadezas – o conjunto forma um todo coerente e verossímil, mais ainda porque apresentado na ótica da infância. Os adultos ausentes fisicamente do palco são representados pela voz em off com a frequência desejável para criar o clima e não pesar no espetáculo.

Nada há o que possa lembrar sensacionalismo, pieguice ou moralismo, a brincadeira e o grotesco de certas situações falam por si mesmo. Bonito trabalho musical e de iluminação valoriza as cenas onde o lúdico abre caminho para a reflexão. Os pais também vão gostar.