A montagem do Sobrevento usa bonecos grotescos

Crítica publicada no Jornal do Brasil, Caderno B
Por Macksen Luiz – Rio de Janeiro – 1996

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Exercício formal de espetáculo

Se há 100 anos Ubu Rei gerava escândalo num ambiente intelectual parisiense marcadamente burguês, hoje, a peça de Alfred Jarry tem muito mais valor histórico do que propriamente o efeito provocador da época da estréia. A construção dramática de Jarry, que é deflagrada pela corruptela de um palavrão dita na cena inicial, oferece aos encenadores contemporâneos muito mais a possibilidade de um exercício formal de espetáculo do que material para reprodução de qualquer escândalo cênico. Na origem, Ubu rei procura recriar a linguagem dos bonecos e tal como uma pantomima da crueldade mostra Pai Ubu, insuflado por Mãe Ubu, como um Macbeth estúpido. Ubu mata o rei da Polônia, governa de forma despótica numa progressão de atos irresponsáveis na sua prática do poder.

A versão do grupo Sobrevento, que em seus dez anos de carreira sempre desenvolveu encenações ligadas à linguagem dos bonecos, mantém-se fiel a esta opção, mas introduzindo bonecos gigantes, vestidos pelos atores que emprestam seu corpo para movimentá-los. Se na montagem de textos de Samuel Beckett, há dois anos, bonecos e atores já conviviam no palco, em Ubu Rei o Sobrevento faz uma fusão entre o boneco e o manipulador.

Os bonecos reforçam a característica farsesca da representação: este figurino encobre o ator, determinando uma estilização que decompõe a narrativa. O diretor Luiz André Cherubini criou bonecos de aparência estranha, disformes, sem rostos, que se movimentam desajeitadamente, com aparência de figuras construídas por resíduos de material reutilizado. Desta imagem, que se confunde quase com os próprios materiais com os quais os bonecos são feitos – no início do espetáculo essas figuras se reduzem a um amontoado de panos rústicos e sujos abandonados no palco – adquirem formas quase grotescas. As figuras de Pai e Mãe Ubu são ridículas como formas e patéticas como personagens. A direção acentua esses aspectos, criando uma cena de pantomima que procura unificar a imagem e o código de representação. O encenador usa ainda um som heavy metal que tem função ruidosa de servir de ambientação dramática. São elementos que fazem com que Ubu Rei estabeleça uma narrativa com a ingenuidade da linguagem dos bonecos, mas sem a contundência que o visual e a sonoridade parecem sugerir.

Os atores Sandra Vargas, Miguel Vellinho e Luiz André Cherubini mostram disponibilidade para se submeter ao esforço físico de vestir bonecos gigantes que exigem das suas atuações um empenho suplementar. A utilização de microfone para ampliar suas vozes esfria a intensidade das atuações. Mas Ubu Rei não é exatamente um espetáculo voltado para detalhamentos interpretativos, já que nesta encenação do grupo Sobrevento prevalece um espaço cenográfico altamente inspirador para uma pantomima irônica, mas não furiosa.

Cotação: *