Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 10.10.1981
A cidade do interior, vista com humor, poesia e clareza
Termina amanhã a temporada do melhor texto infantil em cartaz no momento: As Três Luas de Junho e uma de Julho, de Tonio Carvalho, vencedor do último concurso de dramaturgia promovido pelo Serviço Nacional de Teatro. O autor mostra, para uma plateia urbana, uma alma ligada ao mundo das cidades do interior; sua ingenuidade, sua malandragem, suas crenças, seus segredos. Tonio Carvalho tenta manter vivo esse povo cada vez mais descaracterizado, cada vez mais distante, que desaparece dia a dia. Misturando realidade, fantasia, nostalgia, atores e bonecos, o autor trata poeticamente das festas juninas e seu linguajar reflete um sério trabalho de pesquisas, com forte dose de humor e de comunicabilidade.
O texto é ótimo; o espetáculo é lindo e criativo. Mas, paradoxalmente, a beleza da encenação, em vez de ampliar o sentido do texto, faz com que o texto perca grande parte de sua força. Ao final da apresentação fica a sensação de um belo espetáculo criado em cima de um texto que “não cheira nem fede”. O que, indiscutivelmente, não é verdade. O que ocorre é que a encenação (concebida pelo próprio autor – Tonio Carvalho – com Sonia Piccinin) não explora devidamente os significados do texto, não aprofunda os pequenos (mas sempre grandes) conflitos humanos e, também, não leva até o espectador, a beleza literária da peça. É uma pena ver uma peça tão bonita, tão trabalhada pelo autor, virar um mero roteiro de um bonito espetáculo.
Mas há um outro problema: a beleza deste espetáculo não é suficientemente dosada. Isso determina um acúmulo de movimentos, sons, cores, adereços que acabam criando uma certa confusão visual, já que as ações nem sempre correm do mesmo lado que o texto. Para essa confusão contribui muito, também, a grande quantidade de palavras perdidas pela plateia, devido ao alto acompanhamento musical (a primeira cena dos bonecos; a conversa dos fugitivos). O espetáculo é rico (até demais) em imagens, é visualmente dinâmico, é muito criativo. Entretanto, várias cenas começam com impacto e vão se esvaziando progressivamente. Isso se nota facilmente nos momentos em que as crianças passam a ficar mais agitadas e o ritmo às vezes emperra (o canto de São João, em que cada ator diz um versinho, por exemplo). O espetáculo começa muito bem, com ótimo clima e indiscutível criação de interesse junto ao público; aí, a encenação vai caindo para crescer de novo a partir do momento em que a noiva foge. É bastante forte a cena do cerco dos fugitivos e da sua morte; há clima, emoção, beleza visual; da mesma forma que é muito bonita a cena do dragão (os sons, os movimentos, as cores). As Três Luas de Junho e uma de Julho é o primeiro trabalho do “Teatro Feliz Meu Bem”, grupo que mostra seu cartão de visitas ao público carioca com uma boa dose de vitalidade. É preciso, apenas, dosar a criatividade e realizar melhor o estudo do texto para dar-lhe o justo valor e para tornar as situações mais claras para o público. No elenco, destacam-se Marília Brito (Joana) e Carlota Maria (Padre). A bela música de Ronaldo Mota contribui decisivamente para os diversos climas criados nesta bonita encenação.