Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 22.08.1981

Barra

A ópera-caipira de um povo que desaparece

Estreia hoje, no Teatro Cacilda Becker, a peça infantil As Três Luas de Junho… e uma de Julho, de Tônio Carvalho, vencedora do Concurso de Dramaturgia do SNT de 1980 e que se transformou em “ópera-caipira”. Musicada por Ronaldo Mota. Num momento em que há visível vazio na dramaturgia para crianças, essa peça vem enriquecer a temporada: misto de realidade, fantasia e nostalgia, o texto trata poeticamente das festas juninas, dos folguedos populares, do casamento caipira, tudo com uma profunda simpatia por esses ingênuos personagens do interior, que desaparecem dia a dia. O linguajar traduz um sério trabalho de pesquisa, sem que se perca o humor, o coloquialismo e a comunicabilidade.

Tudo começou com um sonho: o autor Tônio Carvalho, sonhou com a lua. E tudo continuou com um novo sonho: segunda lua. O autor, um incrível sonhador, sonhou novamente: e viu outra lua. Tônio Carvalho teve a gostosa lembrança das brincadeiras infantis e desta forma surgiu à base de sua peça As Três Luas de Junho… e uma de Julho, que obteve o primeiro lugar no Concurso de Dramaturgia Infantil do Serviço Nacional de Teatro. realizado ano passado. A quarta lua – a de julho, lua nova ou de São Jorge – não foi sonhada. O autor estava bem acordado, quando a integrou às três luas do ciclo junino: Lua Crescente, ou de Santo Antônio (lua dos namorados, brincadeiras, sonhos, prendas e previsões); Lua Cheia, ou de São João (lua do amor ardente, das fogueiras e dos balões); Lua Minguante, ou de São Pedro (a lua daquilo que míngua, que finda, a lua que confirma as previsões). A lua que não faz parte dos festejos juninos, a Lua Nova ou de São Jorge, é a lua do amor de sempre, a lua do resgate, mas a peça não foi escrita apenas com lembranças. Exigiu boa dose de pesquisa, por parte de seu autor.

Esta peça foi concebida a partir de elementos da cultura popular, tendo por base o ciclo de festas juninas introduzidas pela colonização portuguesa e assimiladas, adaptadas e incorporadas ao folclore nacional. As manifestações juninas ainda têm muita força expressiva nas comunidades suburbanas das grandes cidades e no interior de Estados nordestinos, em Estados sudeste e em Mato Grosso do Sul. Em cada localidade, apresentam características específicas quanto à forma e conteúdo simbólico, mas, basicamente, possuem a mesma estrutura. Procuramos resguardar, sem caricaturar ou descaracterizar, a linguagem e os costumes de um Brasil um tanto esquecido pelas populações urbanizadas. Os jogos, brincadeiras, trovas, adivinhações, superstições, etc. que aparecem no texto são extremamente significativos quando ao caráter lúdico dessas festas. E é com esse espírito, de jogo, de brincadeira, que esse texto foi elaborado. O conteúdo expressivo dessas festas mostra as relações dos homens entre si e com seu meio, traduzidas por uma linguagem de rica poesia, humor safado, sensualidade e magia. No espírito ingênuo desses homens, mesclam-se, interpenetram-se, confundem-se a realidade e a fantasia, o religioso e o profano, o bem e o mal verdade e a mentira, o prazer e a dor, formando um todo cujo resultado é o processo íntimo de relação desses homens com as foças da natureza e seus destinos.

Tônio Carvalho, além de autor é também ator do espetáculo e dirige a peça em conjunto com Sônia Piccinin, também atriz. Sobre as possíveis dificuldades da direção conjunta, Sônia diz que não houve problema algum, “foi uma coisa meio empática e inexplicável, muito na base da sensibilidade e intuição”. Segundo os diretores, a encenação foi concebida com intuito de reviver e recriar as brincadeiras infantis: “É uma história de amor entre atores e bonecos, nos fundos de um quintal”. Assinalaram ainda que a direção não procurou ser apenas técnica, formal e prática, mas trabalhar um grupo, envolvendo-o com bastante alma.

O espetáculo cuidadosíssimo, requintado, não no luxo, no ato por cada objeto, por cada figurino, cada boneco. Toda a concepção musical de Ronaldo Mota é baseada nos ritmos e nas tradições do folclore brasileiro, diz Sônia.

O grupo de Teatro Feliz Meu Bem, que inicia suas atividades com As Três Luas de Junho… e uma de Julho é formado por elementos absorvidos de diversas áreas, mas sempre voltados para crianças. Há pessoas ligadas ao teatro infantil; arte-educadores, pedagogos, psicólogos, fotógrafos, músicos, artesões. São artistas que já se encontravam em trabalhos de criação realizados nos subúrbios, nas praças, nos Centros de Criatividade e se namoravam de longe há algum tempo. O texto de Tônio Carvalho serviu de pretexto para a união.

A peça tem direção musical de Ronaldo Mota, bonecos de Hilda Boren, Maria Amalia Vecchi e Jena Kopelman, cenário de Sônia Piccinin, figurino de Vicente Maiolino, Sônia Piccinin e Jena Kopelman e iluminação de Eva Joory e Hilda Borem.