Trakinagem, de Limachem Cherem: Clichês e confusão


Crítica publicada no Jornal do Brasil 
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 08.10.2005 

 

 

 

 

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Direção imprecisa põe a perder as traquinagens de crianças no palco

Trakinagem, espetáculo infantil concebido por Limachem Cherem, também autor do texto, se propõe a resgatar brincadeiras tradicionais e estimular a imaginação das crianças. No entanto, coloca em cena os mais batidos clichês, considerados, durante décadas, linguagem característica e exclusiva do teatro infantil: o pião, a bolinha de sabão, o cavalinho de pau. O problema não está nos elementos utilizados e sim na forma como eles surgem – sem nenhuma razão, simplesmente para serem citados e justificarem o projeto.

O texto engloba várias histórias. Inicia por um conhecido conto de Pedro Malasartes, quando mais uma vez alguém é enganado por este personagem das narrativas populares. E aí começa a falta de clareza, pois quem não conhece a história não entende o final. Em seguida, entram em cena dois adolescentes e acontece um desfiar de situações, sobre videogames, rap, numa mistura confusa.

O texto é uma colcha de retalhos em busca de um significado que conduz o público a nenhum lugar. A direção de Bruno Bacelar sucumbe a um conceito ultrapassado de teatro infantil e permite estarem em cena todos os signos possíveis, sem nenhuma contextualização. Permite também que o figurino do velho, embora criativo, remeta ao medieval, ainda que conviva com figurinos atuais vestidos pelas crianças, todos assinados por Fátima Cherem.

Não há como a direção se isentar da confusão, já que é responsável por tudo desde o cartaz da peça até o aplauso final. Limachem compõe “um velhinho engenhoso” como diz o texto de divulgação do espetáculo – que tem o propósito de fazer com que as crianças usem a imaginação. Porém, sua composição é tão pesada, por vezes assustadora, que não estimula a imaginação.

As duas meninas em cena, Sluchem Cherem e Slanny Cherem não são atrizes, são crianças assustadas, que não sabem o que falam nem como se movimentam. E são deixadas em cena todo o tempo lado a lado, em posição frontal ao público, quando há todo um espaço cênico vazio a ser preenchido.

O diretor entrega o espetáculo ao histrionismo do adolescente Bruno Gomes, e aí tem-se o humor pelo humor. Caretas, tombos, tudo é permitido para prender a atenção da plateia, na qual pais angustiados perguntam a cada cinco minutos aos filhos se eles estão gostando do espetáculo.

Criança, na plateia ou em cena, exige cuidado. E no palco elas não são responsáveis pelos descaminhos de suas atuações; deram-lhes uma tarefa para a qual não estão preparadas.  Além disso, com uma linguagem que trabalha objetos de cena imaginários, a direção teria que ser muito mais precisa na condução destes atores para que fosse possível entender o significado de seu gestual.

Apenas um carro de catador de papéis, cheio de bonecos e adereços, assinados por Leonam Thurler, surge em cena. No palco também um set de instrumentos de percussão feito de latas e instrumentos musicais de brinquedo que fazem a maior parte da chamada trilha sonora, assinada por Gedivan Albuquerque. Mas sem nenhuma força, nem unidade.

O teatro nacional para crianças passa por uma gravíssima crise e algo contundente e eficaz, urgente, precisa ser feito, sob pena de estarmos perdendo toda uma geração que poderia vir a frequentar o teatro adulto. A falta de qualidade é a principal razão do esvaziamento hoje do teatro carioca, que já foi considerado um dos melhores do país.