Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 10.10.2004
Tistu, o Menino do Dedo Verde: No Teatro dos Quatro, espetáculo competente que comove e diverte
Tema atual em peça que faz pensar
Quem está na faixa dos 40 anos provavelmente leu “O menino do dedo verde” por indicação de algum professor do antigo curso ginasial. Para os mais sensíveis, a
história de Tistu, o menino que procura amenizar o sofrimento dos seres vivos espalhando flores pela sua cidade, certamente não passou em branco. Mas, naquele tempo, a história, que aborda temas como a miséria nas favelas e os horrores da guerra, ainda parecia um pouco distante dos adolescentes. Quase meio século depois (o livro foi escrito em 1957), a versão teatral da obra do francês Maurice Druon, em cartaz no Teatro dos Quatro, mostra que aquela realidade está bem próxima das crianças dos dias de hoje.
Adaptação é fiel ao livro de Maurice Druon
Em sua adaptação para o teatro, Kiko Mascarenhas procura ser fiel ao original de Druon. E sua tarefa é, de certa forma, facilitada pelo fato de o autor ter recheado sua obra de diálogos entre os personagens. Assim como no livro, a história se desenrola a partir do aniversário de 8 anos do menino, quando ele é enviado pelos pais à escola. Como não consegue prestar atenção às aulas, os dois decidem que ele vai aprender tudo através da observação e da experiência, auxiliado pelos próprios funcionários da casa. E Tistu começa suas aulas com Bigode, o jardineiro, com quem descobre seu dedo verde, que, apesar de invisível para os outros, é capaz de fazer brotar flores de todos os tipos quando enfiado na terra. Ele fica encantado com seu dom e, através dele, provoca uma verdadeira revolução na vida de todos os habitantes de sua cidade.
A concepção cenográfica de Kiko Mascarenhas, em parceria com Paulo César Medeiros, deixa o palco completamente livre, utilizando como cenário apenas alguns painéis móveis, em maior ou menor quantidade dependendo das necessidades de cada cena. Durante o espetáculo, esses painéis ganham vida e interagem com o texto através da iluminação, também de Medeiros, ou da animação gráfica da competente dupla formada por Rico Vilarouca e Renato Vilarouca.
E essas projeções são responsáveis por ótimos momentos do espetáculo, como o sonho de Tistu na escola, em que as anotações feitas pelo professor no quadro se espalham por todo o palco; nas cenas da cidade, fria e ao mesmo tempo assustadora; no retrato da favela; e, principalmente, no desabrochar das flores durante toda a história. Os figurinos, de Kika de Medina e Ney Madeira, em diferentes tons de cinza e branco, remetem a uniformes militares e seguem o mesmo tom futurista das projeções. Parece que esses elementos – poderia se dizer mais sombrios? – criam um contra ponto com o lirismo do texto, aproximando a peça dos nossos dias. O tom cômico fica por conta do visagismo de Beto Carramanhos, com seus divertidos penteados, enquanto o tom poético é dado pela trilha sonora de Caíque Botkai, que pontua com delicadeza o espetáculo.
O elenco – Alexandra Richter, Angela Rabello, José Araújo, Paulo Junior, Ricardo Santos, Silvio Ferrari e Silvio Pozzato – tem atuações equilibradas. O destaque da montagem é o menino Arthur Lopes (ele se reveza no papel de Tistu com Daniel Torres), que, muito integrado aos dramas e aos sonhos de seu jovem personagem, conquista o público ao longo do espetáculo.
Os temas de Tistu, o Menino do Dedo Verde mantêm sua atualidade, e, encenados com competência pelo diretor Kiko Mascarenhas e por sua equipe, continuam comovendo, divertindo e fazendo crianças de diferentes idades refletirem sobre o mundo em que vivem.