Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ricardo Schöpke – Rio de Janeiro – 28.11.2009
Um mundo de magia atemporal
Montada desde os anos 90, peça dirigida por Ronaldo Tasso mantém sua qualidade em cena.
Os anos 90 foram um período dos mais férteis para o teatro realizado para a infância e juventude. No Rio, tudo era propício à realização de uma arte com qualidade técnica e artística: o patrocínio de uma grande multinacional de refrigerantes que contemplava anualmente 10 produções para as crianças, os prêmios Mambembe, Coca-Cola, Sated e Molière, críticas em vários jornais e revistas, a criação do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude (CBTIJ) pelos profissionais mais importantes e atuantes no cenário infantil da época e, por fim, artistas talentosos e diferenciados para poderem transformar tudo isso em arte do mais puro refinamento. Nesse período despontaram algumas das principais companhias e criadores do teatro para crianças, apresentando-nos até os dias de hoje projetos, diferenciados e de extrema qualidade. Entre os espetáculos produzidos no decorrer da década de 90, podemos destacar o premiado musical Tip & Tap – Ratos de Sapato, de autoria de Vinícius Márquez, atualmente em cartaz no teatro das Artes no Shopping da Gávea.
Mais de 100 mil espectadores
O espetáculo musical conta, com bastante fluidez, leveza, poesia e humor, a história dos ratinhos Tip & Tap, que vivem com os seus pais em uma despensa recheada com vários mantimentos, vividos com muito humor pelos atores. Temos o doce (a Lata de Leite Condensada), o Saco de Farinha, os produtos de limpeza sabão em pó Homo e a Diaba Verde, e os molhos Catchup e Mostarda. Criados como irmãos, Tip & Tap, dançarinos de sapateados, ensaiam para fazer sua primeira apresentação no programa de auditório do vaidoso Gato Falso, até que uma notícia inesperada, trazida pela atrapalhada Cegonha Regina, irá mudar surpreendentemente o rumo da história, mas fazendo-se valer de uma bonita homenagem às artes e ao teatro: o show não pode para jamais.
Concebido com bastante rigor e qualidade por Ronaldo Tasso – indicado aos prêmios mambembe SP APCA (associação Paulista de Críticos de Arte) e Sated – que assina também a direção do espetáculo, foi encenado pela primeira vez em 1993, cumprindo seis temporadas e atraindo mais de 100 mil espectadores. Tip & Tap acumula vários prêmios no Rio e em São paulo, sendo vencedor do prêmio Mambembe SP e APCA.
É importante a ressaltar a persistência e a paixão de Tasso em manter durante todos estes anos um ótimo espetáculo em cartaz. Dando provas de que o bom teatro não é datado, principalmente quando apresenta qualidades que, mesmo para os dias de hoje, continuam como grandes novidades. Poucos diretores tem tanta preocupação com o conjunto, como obstinado Tasso. Tudo é conduzido com bastante precisão e bom gosto, nada passa despercebido em sua concepção total da caixa cênica. E justamente esse vigor é que mantêm sempre acesa a chama do teatro e faz com que Tasso ofereça ao público um ótimo entretenimento. Crianças de todas as idades, e também seus pais e avós, participaram ativamente de toda a história contada, ora cantando, ora dançando, ora torcendo por um personagem, colocando-se também na hora do programa do Gato Falso como uma verdadeira plateia de um show de auditório.
O espetáculo acumula vários prêmios, entre eles o Mambembe e o da APCA
Destaque também para a brincadeira de incluir quadros de dois programas de TV, conduzidos por grandes comunicadores brasileiros: Chacrinha e Sílvio Santos, sem que para isso seja feito piadinhas gratuitas com o intuito de fazer o público sorrir sem nenhum propósito. A coreografia de Valéria Pinheiro e Sílvia Mattos é leve, dinâmica e muito bem executada pelos atores/bailarinos. A cenografia de Dani Brandão (da concepção original de Eugênio L. Barbosa) é bastante criativa e bem executada. Ela cria o interior de uma despensa com telões pintados, e os produtos em tamanho proporcional ao corpo humano que, envolto por grandes embalagens, ampliam o universo fantástico da história e nos remetem a um verdadeiro mundo mágico, onde podemos observar o dia a dia de uma casa e dos seus habitantes, dentro e fora da despensa. A iluminação de Ronaldo Tasso acompanha a evolução da iluminação cênica, compõe o ambiente com bastante dinamismo e cor, fazendo-se valer também de momentos mais intimistas. A trilha sonora de Tim Rescala, que assina letras e música, compostas especialmente para a peça, é bastante sofisticada e rica em melodia.
O elenco é liderado pela excelente Alice Borges (cegonha Regina), que participou também da primeira montagem, com um domínio absoluto da cena, do alto dos seus 16 anos interpretando a divertida ave, esbanjando graça e uma bela voz. Marcelo Torreão (Saco de Farinha e Gato falso), também remanescente da primeira montagem, apresenta um trabalho refinado de composição (canto e dança) nos dois personagens que interpreta. Os atores Julia Deccache (a doce Tip), Péricles Amim (o sensível Tap), Juliana Medella (a ácida Diaba Verde), Otávio Zabaran (o zeloso pai), Letícia Medella (a cuidadosa mãe), Gisela Saldanha (a mal-humorada Condensada), Martina Blink (a engraçada Azeite de Oliva), Orlando Leal (o divertido sabão em pó Homo), Carolina Loback (a fofoqueira Nice e a exuberante Raposa) interpretam, cantam ao vivo – sem o artifício do play back – ao mesmo tempo em que sapateiam com grande harmonia e competência.