Crítica publicada no Site da revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 09.12.2016
Peça para bebês envolve até adultos na busca pela poesia
Terra, do Grupo Sobrevento, estimula os sentidos da plateia com luzes, sons, músicas, texturas e objetos variados
Logo na entrada da sede do Grupo Sobrevento, já se percebe o clima de amor ao teatro impregnado em cada gesto, em cada móvel, em cada atitude. Os pais fazem reserva prévia por telefone e são recepcionados por J. E. Tico, da equipe fixa da casa, que procura os nomes na lista e faz a entrega dos ingressos gratuitos. Tico não deixa por menos: esbanja simpatia, brinca com os pais, entretém os bebês. Perto dele, também ajudando a receber o público, está Agnaldo Souza, sempre de sorriso largo no rosto, paciente, outro que deixa claro o tempo todo o quanto faz seu trabalho com gosto e com prazer.
Enquanto os bebês se entretém no salão, uns com os outros, ou também com os brinquedos artesanais espalhados de propósito pelo ambiente, Agnaldo chama os pais e dá um montão de avisos a eles, sempre com um tom calmo e baixo de voz, justificando que os bebês já precisam ir se acalmando para o início do espetáculo. Os avisos que ele dá são, basicamente, carinhosos apelos para o bom senso dos adultos: não forçar se o bebê não estiver gostando, por exemplo. O lema do Sobrevento, ao praticar esse tipo de teatro para a chamada ‘primeira infância’, é encantador: “Os poetas já nascem poetas!” Ou seja, desde bem cedo os bebês são capazes de gostar da linguagem poética, praticada das mais diversas formas. Não há limites para o estímulo sensorial dessas crianças na mais tenra idade, desde que a poesia esteja presente o tempo todo.
O grupo parte do princípio de que a capacidade poética e de comunicação é inata em todo ser humano, que tem, em qualquer idade, um direito inalienável à cultura e ao convívio social. Acredita que um bebê não é uma tábula rasa e que a comunicação com ele é possível, importante e necessária, desde o primeiro dia de vida, que começa antes do nascimento. Para os bebês, teatro funcionaria como comunhão, jogo, encontro, um espaço sagrado de festa e de descobrimentos.
Assim é Terra, o espetáculo mais recente do grupo, que encerra sua primeira temporada no dia 18, mas com certeza voltará no ano que vem para mais e mais sessões lotadas. Terra é um solo da atriz Sandra Vargas, que, além de interpretar, ainda assina texto e direção. Ela é uma das fundadoras da companhia, e conhecida dos bebês pelo espetáculo anterior, ‘Bailarina’, também um solo.
Direcionado a crianças de até 3 anos, mas com força para arrebatar o público de todas as idades, Terra fala de memória, dos laços afetivos e do amor que está dentro de todos nós – e que é a base de todo ser humano. A temporada integra o projeto ‘Memórias e Trajetórias – Sobrevento 30 Anos’, realizado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. Sandra está a postos ao centro de um círculo coberto de terra. Vai literalmente ‘desenterrando’ suas memórias, ou seja, objetos relacionados ao que ela se lembra da avó e da mãe: pedaços de louça quebrada, canecas, toalhinhas de crochê, uma flor, variadas pedras… E isso estimula sua imaginação e sua emoção.
É tudo simples assim, mas de uma simplicidade bem pensada, inteligentemente construída. O design de luz, a cargo de Renato Machado, é fundamental e decisivo para instaurar o clima de delicadeza exigido pelas reminiscências da protagonista. O momento em que as pedrinhas suspensas no ar viram estrelas iluminadas é de puro encanto. Sandra, como intérprete, usa a voz de forma cadenciada, no volume certo, embalando a alma do público. Seus gestos, bem medidos, bem precisos, fisgam uma profusão de ‘primeiros olhares’, desvirginando-os para as infinitas possibilidades cênicas produzidas a partir dos estímulos aos cinco sentidos. E os adultos, esses, seduzidos pela possibilidade de lembrar de suas infâncias e de chorar por suas perdas, embarcam com igual interesse na linda viagem proporcionada por Terra. Ao final, invariavelmente, aplausos de pé para toda a equipe do Grupo Sobrevento, que mais uma vez comprova: o teatro para bebês, se bem feito, é bom para todos – até para bebês.
Serviço
Espaço Sobrevento
Rua Coronel Albino Bairão, 42 – próximo ao metrô Bresser Mooca
Recomendação: de 6 meses a 3 anos
Ingressos: entrada franca
Sábados e domingos, às 11hDuração: 30 minutos
Lotação: 70 lugares (35 bebês + 35 acompanhantes)
Reservas: (11) 3399-3589 e pelo e-mail info@sobrevento.com.br
(os ingressos devem ser retirados a partir de meia hora antes – e as reservas caem 10 minutos antes)
Temporada: até 18 de dezembro de 2016