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A relação entre teatro e educação, no mundo ocidental, pode ter suas origens confundidas com o próprio nascimento desta manifestação artística na Grécia Clássica. Isso pode ser afirmado levando em conta um amplo estudo bibliográfico apresentado pela obra Jogo, Teatro e Pensamento, do professor inglês Richard Courtney, 1927-97, hoje uma obra clássica dos estudos que fundamentam as relações entre teatro e educação.

Nesse livro, o autor analisa em alguns capítulos a trajetória do pensamento sobre teatro produzido ao longo da história da educação, e vice-versa, buscando justificar a presença do teatro em processos educacionais por meio de uma perspectiva distinta da “formação técnica para o palco”. Para ele, assistir e fazer teatro ao longo da formação escolar pouco tem a ver com o desejo de formar artistas.

Na expectativa de valorizar o jogo teatral e a potência crítica promovida pelo contato com obras de arte, Courtney trilha um belíssimo panorama que parte do pensamento de Platão, que era crítico ao teatro. Platão era um idealista, ele criou a alegoria da caverna, segundo a qual nós somos apenas sombras de um mundo ideal. O teatro seria, portanto, uma cópia da sombra, e por isso ele não deveria ser valorizado. Assim, em seu livro A República, ele condena a arte teatral, porém valoriza a atividade lúdica e o esporte. Ainda no contexto das Grécia Clássica, Aristóteles produziu a mais influente obra dos estudos teatrais, que é a Poética. Obviamente, ele analisou as obras teatrais de seu tempo, escritas a partir dos mitos que compunham a religião grega.

Ao elaborar a ideia de catarse, o filósofo propõe que há uma importante função ao assistir uma obra teatral, pois ela nos educa ao expor nossas fragilidades e erros através de nossa identificação com os conflitos vivenciados pelos personagens. Assim, ele defende, para além da prática lúdica, defendida também nas ideias de Platão, a importância pedagógica presente no ato de se assistir a um espetáculo teatral.

Esses dois aspectos, seja assistir a um espetáculo, seja praticar o jogo teatral, são as duas faces interligadas da presença possível do teatro em práticas educacionais. Por essa razão, tão fundamental quanto a reflexão sobre o que se aprende ao praticar teatro é nos perguntarmos o quanto se aprende ao assistir teatro.

A ligação entre essas duas palavras, teatro e educação, que representam áreas específicas da cultura da humanidade, foi marcada por diversas análises e reflexões que se materializavam na criação de diferentes termos ou binômios, na tentativa de construir uma síntese que desse conta da área que explora as relações entre a arte teatral e as propostas educacionais. Por exemplo: Teatro-Educação; Teatro com Educação; Educação através do Teatro; Teatro aplicado à Educação; Teatro na Educação e tantas outras expressões foram tentativas de explicitar uma área que até hoje é alvo de interesse e estudos, tanto por parte dos artistas que se interessam por educação quanto por parte dos pedagogos que se interessam por teatro.

Nessa trajetória cheia de tensões e embates ideológicos, o que se revela na verdade é a batalha pela valorização da presença de manifestações artísticas em um território, a pedagogia, que muitas vezes privilegia a cultura intelectual restrita ao pensamento lógico e, fundamentalmente, a escrita.

A história do teatro na educação se confunde, portanto, com as conquistas históricas pela valorização de outras propostas de aprendizado, que explorem a cultura da infância e procurem colocar em primeiro plano propostas de experiência prática, em oposição a uma redutora exposição de conteúdos que serão aferidos por meio de uma prova escrita.

No mesmo sentido, o teatro atual, que enfatiza os aspectos lúdicos de sua estrutura e que procura oferecer uma experiência estética sensorial ampla, não mais presa a uma narrativa e que convida o espectador a construir ideias junto com a obra e os artistas, também abre novas perspectivas para ampliar a relação entre o lúdico e os processos de ensino e aprendizagem com teatro.

Dessa forma, o teatro pensado e produzido para o público infantil também defende sua relevância estética nos tempos de hoje quando se conecta, ao mesmo tempo, com as propostas mais instigantes de criação teatral e com as propostas de educação que privilegiam a imaginação.

Ao desafiar o público de jovens e crianças a participar da autoria da obra, não no sentido da interação com o público, o que também é válido, mas no sentido de que há uma aposta na inteligência do espectador como produtor de ideias, o teatro deixa de ficar restrito a questões da faixa etária e passa a ter preocupações de ordem artísticas, essas sim verdadeiramente instigantes e pedagógicas.

Portanto, a qualidade do teatro para infância e juventude deve levar em consideração as conquistas formais promovidas pelos grupos e artistas que pesquisam essa área, transformando a ida ao teatro em um desafio à inteligência, ao mesmo tempo em que diverte e entretêm.

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 19º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2015)