Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 21.10.2016
Jogo de espelhos celebra no Rio os 65 anos de O Tablado
Templo histórico das peças de Maria Clara Machado abriga o ótimo infantil Tãotão, escrito pelo sobrinho neto da fundadora
Ninguém que esteja citando, pesquisando ou debatendo sobre a história do teatro infantil no Brasil pode deixar de mencionar um templo carioca chamado O Tablado, onde estrearam todas as clássicas peças de Maria Clara Machado, como Pluft, o Fantasminha, O Cavalinho Azul, A Menina e o Vento e O Rapto das Cebolinhas. Pois agora em 2016 – exatamente nesta última semana de outubro –, O Tablado, fundado em 28 de outubro de 1951, está completando seus 65 anos de existência.
Para marcar a data, está em cartaz ali, no sobrado amarelado da região da Lagoa, no Rio, o espetáculo infantil Tãotão anunciado no programa, pela diretora Cacá Mourthé, como “a primeira vez que encenamos nesse palco uma peça infantil de um autor que não a nossa mestra Maria Clara Machado”. Fui ao Rio conferir a montagem desse texto escrito por Pedro Kosovski, sobrinho neto de Maria Clara Machado. “Passei a infância aqui n’O Tablado assistindo às histórias da tia Clara e imaginando que um dia eu também poderia escrever as minhas próprias”, diz ele.
Pedro Kosovski e Cacá Mourthé, juntos, produziram uma pérola que com certeza agradaria a Maria Clara, além de ser uma peça que dialoga bem com toda a dramaturgia sempre praticada naquele palco, uma obra delicada, divertida e instrutiva sem ser chata. Kosovski escolheu escrever sobre o mito de Narciso, aquele que se apaixona pela própria imagem refletida em um espelho d´água. Com isso, ele quer falar com as crianças sobre autoconhecimento, aceitação e diversidade de pensamentos.
O personagem principal, agilmente interpretado pelo jovem ator Rodrigo Trindade, gosta de ser sempre muito superlativo. Para ele, tudo é tão… tão… De tal forma que seu nome é justamente esse: Tãotão. Quando Tãotão se olha no espelho, ele não vê só uma imagem de si. Ele consegue enxergar múltiplos Tãotãos, um para cada jeito, cada humor, cada situação de sua vida. Como o hiperativo, ou o que gosta de ser ‘do contra’, ou o bebê imaturo, o ‘cdf’ perfeito e até o que pratica um lado doce e feminino. (Em São Paulo, o recente e ótimo espetáculo Berenices, do Grupo Morpheus, faz exatamente isso, brincando com as múltiplas facetas de uma mesma personalidade, mas do ponto de vista de uma menina, não de um menino.)
Tãotão tem ritmo, graça, bons diálogos, prendendo a atenção da plateia do começo ao fim. Narciso (Saulo Arcoverde, em engraçada composição, que mescla afetamento e carisma) surge como o vilão da trama, aquele que quer prender dentro do espelho todas as crianças que cruzam o seu caminho. É teatro feito por quem entende de teatro. Com capricho nos figurinos, criatividade na cenografia, apuro na iluminação, agradáveis canções originais e até uma banda jovem ao vivo, com teclado, guitarra, baixo e bateria. Os 65 anos de O Tablado, graças a esse ótimo espetáculo, são festejados no palco com muito talento. Merecidamente. O jogo de espelhos proposto no enredo não passa de uma acertada e tocante referência ao teatro como espelho do mundo – e, por conseguinte, ao Tablado como multiplicador de sonhos e imaginações. Como não gostar? É tão… tão…
Serviço:
O Tablado
Av. Lineu de Paula Machado, 795, Lagoa, Rio de Janeiro
Tel. (21) 2294-7847
Sábados e domingos, às 17h
R$ 40,00. Até 27 de novembro