Crítica publica em Folha de São Paulo
Por Tatiana Belinky – São Paulo – 25.08.1979
Sonho de uma noite só para as crianças
Sonho de uma Noite de Verão presta-se naturalmente para o teatro “infanto-juvenil” e não é por acaso que esse delicioso texto de Shakespeare é sempre assistido por escolares, na Europa e Estados Unidos. Mas a peça na sua integra é longa, de realização cara, e o nosso teatro infantil não tem condições para uma montagem dessas. É verdade que anos atrás, Sérgio Cardoso dirigiu no Clube A Hebraica um espetáculo de amadores completo, que foi assistido pelos associados e convidados, adultos, crianças de todas as idades com o mesmo prazer.
Aqui porém, trata-se de uma adaptação livre, especialmente dirigida a crianças e jovens. Rodrigo Paz reduziu o texto, eliminando toda a parte dos dois casais de namorados e dos quiproquós entre eles causados pelo duende Puck – o que, se não prejudica o espetáculo – (já que namoros pouco interessam as crianças), prejudicam e diminuem muito o gostoso papel de Puck, o que é pena. De resto, a adaptação é boa, funcional, a linguagem simples é acessível ao nosso público infantil e o texto é bem servido pela realização em geral. A inusitada iniciativa de montar um Shakespeare para crianças recebeu o tratamento a que fazia jus, resultando no espetáculo infanto-juvenil mais ambicioso, bonito e bem realizado deste ano, até agora (como se vê sou otimista).
O “visual” é lindo. Os figurinos são imaginosos, espirituosos e bonitos, e também originais: não se atêm ao tradicional, mas criam figuras diferentes e inesperadas. (Tanto assim que eu até estranhei o Oberon, que, nas minhas recordações, era mais “majestoso”). Os responsáveis, J. S. Serroni e Augusto Francisco, criativos como sempre, inventaram também uma cenografia dinâmica de muito efeito na sua aparente simplicidade e economia. Tudo isso, enriquecido pela iluminação de Abel Kopansky e Celso Cardoso bem como, “last but not least”, pela excelente direção musical de Sérvulo Augusto, que por sinal também participa do espetáculo na pele de um dos músicos (com Paulo Garfunkel e Pratinha), os três tocando seus instrumentos e criando bons personagens.
Tudo acontece encadeadamente, sem queda de ritmo, e o espetáculo flui harmonioso, com suas passagens poéticas, mágicas, num “musical” que seria quase perfeito se os (esforçados) atores soubessem realmente cantar e dançar. Roberto Lage tornou a mostrar-se um excelente diretor geral, “movendo” com perícia e mão segura o grande na sucessão de cenas. Mas faltou alguma (tempo talvez) na direção individual doa atores, resultando em atuações nem sempre homogêneas, algumas se resentindo de um aproveitando maior, outras se destacando nitidamente, como por exemplo Rubens Brito, que cria um “Bottom” engraçadíssimo. Aliás, toda a parte de “chanchada” do grupo de artesãos-atores é de uma contagiosa comicidade “circense”. E as poucas restrições mencionadas na verdade wó são feitas por uma questão de respeito por essa montagem de grande importância e dignidade, e que por isso mesmo dispensa quaisquer condescendências.
Sonho de uma Noite de Verão é uma produção (Alcazar e Acalanto estão de parabéns) corajosa e bem sucedida, proporcionando a criançada o conta com um grande clássico do teatro mundial, num espetáculo alegre, poético e encantador, que abre auspiciosamente este segundo semestre teatral infanto-juvenil paulistano: um programa obrigatório para crianças, jovens e adultos também
Serviço
Sonho de uma Noite de Verão, W. Shakespeare, adaptação de Rodrigo Paz, direção de Roberto Lage, Unidade Visual e Figurinos: J. S. Serroni e Augusto Francisco, direção musical: Sérvulo Augusto. Teatro Anchieta, Rua Dr. Villa Nova, 245 – Sábados às 15h30 e domingos às 10h30 e 15h30