O elenco da montagem, encena nos jardins do Museu da República: seriedade do trabalho
conquista até os adultos


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 13.07.1996

 

Barra

O público escolhe sua trama 

Gaspar Filho, conhecido profissional da arte do esgrima e outras lutas coreográficas, sempre esteve nas fichas técnicas de preparação de elenco em peças que exigiam ação e aventura capa espada. No ano passado, assumiu a direção de seu próprio espetáculo com indiscutível bom gosto. Robin Hood, montado nos jardins da PUC, tinha todos os ingredientes de uma peça onde o público, mesmo sem um convite explícito, acabava se envolvendo na encenação, ou, melhor ainda, se tornava parte integrante do bando de Sherwood. Tarefa nada fácil para espectadores acostumados ao conforto das poltronas do teatro e às vezes completamente avessos aos espetáculos itinerantes.

Sonho de uma Noite de Verão, novo espetáculo de Gaspar, nos jardins do Museu da República, põe o espectador na trama como mero assistente. Desfeita a cumplicidade, o espetáculo procura outros encantos, deixando a critério do público escolher sua trama favorita, passando por outras para não perder o fio do enredo.

O texto de Shakespeare, traduzido por Bárbara Heliodora, tem adaptação de Clara Góes e Vinícius Marques. A versão compactada mantém os muitos personagens, tornando a rama confusa em alguns momentos. Teseu e Hipólita preparam seu casamento, mas são interrompidos por Egeu, cidadão importante que apela para a execução da lei ateniense contra a sua filha Hérmia, que se recusa a casar com Demétrio, já que está apaixonada por Lisandro. Hérmia e Lisandro planejam fugir para a floresta, mas caem no erro de contar tudo para Helena, apaixonada por Demétrio, que lhe revela o segredo, a esperança de conseguir seu amor. Na floresta, Oberon e Titânia lutam pela posse de um criado indiano. Oberon recorre a Puck, um espírito da floresta, para pingar uma poção mágica nos olhos de Titânia, que a fará se apaixonar pela primeira pessoa que vir. Mas Oberon vê também Helena implorar pelo amor de Demétrio e resolve tomar partido. Puck se confunde e pinga a poção nos olhos de Lisandro, que abandona Hérmia e se apaixona por Helena. Ainda na floresta um grupo de saltimbancos atenienses ensaia a Lamentável comédia narrando a morte de Piramo e Tisbe.

O enredo cheio de tramas paralelas se dispersa ao olhar do espectador quando este tem que seguir as cenas no espaço aberto. No entanto, na metade do espetáculo, quando o diretor mantém um cenário mais fixo, a encenação se torna muito interessante. As melhores cenas ficam, sem dúvida, com os casais Hérmia e Lisandro, Demétrio e Helena. Nelas se destacam a casualidade, mas não displicência, com que Roberta Mala conduz o seu texto. O tom intimista da atriz conquista a plateia. Melhor ainda, prende sua atenção na história.

Outro bom momento fica com a trupe de atores, que, em uma carroça cenográfica, assinada por José Dias, ensaia a curtíssima peça A Lamentável Comédia Narrando a Morte de Piramo e Tisbe. Exaltando a precariedade e recursos de ator em se fazer entender pela plateia, a trupe comenta sua própria atuação exigindo mais ritmo em algumas sequencias. Na cena, Mário Roberto (tisbe) e Sebastião Lemos (Piramo) expõem todo o seu humor, explicando a plateia o real significado da peça que representam.

Sonho de uma Noite de Verão é um espetáculo itinerante feito com a amor seriedade que, embora tenha sido idealizado para um público jovem, acabou conquistando a plateia adulta.

Cotação: 2 estrelas (Bom)