Matéria publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 08.01.2016
Sobrevento chega aos 30 com mostra de seis infantis
Nos próximos sábados, o Sesc Consolação abrigará um espetáculo por semana desse vitorioso grupo de teatro, consagrado internacionalmente
A partir de amanhã e até 13 de fevereiro, todo sábado, às 11 horas, o Sesc Consolação, em São Paulo, exibe meia dúzias de peças infantis premiadas do Grupo Sobrevento, que este ano comemora suas três décadas de existência. Uma mostra muito especial e imperdível nessas férias escolares. Você e sua família poderão ver ou rever as seguintes pérolas de um repertório brilhante: O Anjo e a Princesa (amanhã, dia 9), A Cortina da Babá (dia 16), Mozart Moments (dia 23), Cadê o Meu Herói? (dia 30), Bailarina (dia 6/2) e Meu Jardim (dia 13/2). Fundado em 1986 por Luiz André Cherubini, Sandra Vargas e Miguel Vellinho, o Sobrevento se dedica principalmente à pesquisa da animação de bonecos, formas e objetos. Mas não só isso. Recentemente, mergulharam nas descobertas do teatro para bebês, por exemplo. Já se apresentaram em mais de uma centena de cidades de 19 estados brasileiros, além de países como Peru, Chile, Espanha, Colômbia, Escócia, Irlanda, Argentina, Angola, Irã, México, Suécia e Estônia. Fiz seis perguntas para o grupo, que foram magnificamente respondidas por Luiz André Cherubini. Prestigie! Eles merecem sua presença.
Crescer: O que significa para um grupo de teatro brasileiro conseguir a marca de 30 anos de trabalho?
Luiz André Cherubini: Nunca ligamos muito para efemérides – aniversários sempre foram acidentes matemáticos, para nós –, nunca fizemos festas, mas, em um breve olhar para trás, nos surpreendemos ao ver que fizemos cerca de 200 apresentações por ano, ao longo de trinta anos. Isto é mais do que uma apresentação, dia sim dia, não, em todos os anos de nossa longa carreira. E fomos a umas duzentas cidades de quase todos os estados brasileiros, a umas quarenta cidades espanholas, a uma dúzia de países de quatro continentes, a lugares tão distantes quanto o Irã e a Estônia e tão próximos como a Argentina e a Colômbia. Para um grupo de Teatro – sobretudo um de repertório, de pesquisa e de animação (tão na contramão) – esta é uma conquista extraordinária. Estamos orgulhosos e entusiasmados. Vimos o Teatro de Grupo se firmar, no Brasil, como um Teatro de Arte, avançado e provocador, comprometido com o público, com a qualidade, com o seu aperfeiçoamento e com a sua renovação. Vimos o Teatro para a Infância e a Juventude amadurecer e ganhar público. Vimos o Teatro de Animação transformar-se em um teatro complexo e plural, diverso e rico, igualmente popular e erudito, tradicional e de vanguarda. Vimos o Teatro de pesquisa sair do seu gueto e ganhar reconhecimento. Vimos o Teatro para Bebês nascer. Somos parte deste movimento que não tem nem 50 anos e temos, até mesmo, o nosso quinhão nestas mudanças. Sentimos que somos parte de uma grande onda, de um grande número de artistas e grupos, que renovou o perfil do Teatro em nosso país e que ganhou espaço e reconhecimento no exterior. Continuar ativos, animados e inquietos, depois de trinta anos, significa que fomos capazes de nos transformar continuamente. E que tivemos, não só garra e amor à nossa Arte, mas muita sorte. De modo que, agora, vamos celebrar: vamos festejar.
Crescer: Quais as principais dificuldades enfrentadas por vocês desde o início da carreira e que ainda persistem até hoje?
Cherubini: Mais do que uma reunião de pessoas que se dedicam à mesma Arte, um grupo de Teatro é um projeto artístico. Mantê-lo por trinta anos não é ser fiel a uma estética ou a um ideal: é manter-se em movimento, renovando-se, desafiando – constantemente – o nosso público e a nós mesmos. É caminhar, aos pulos, à beira do abismo. É equilibrar pratinhos chineses. É dirigir uma ambulância. É manter uma família unida em almoços de domingo que acontecem todos os dias. Sobretudo porque um grupo de teatro é uma forma de organização curiosa, cooperativada, familiar, artesanal, pouco ou nada hierarquizada, que vive um equilíbrio precário e que se obriga a um risco constante. Vivemos um tempo em que quase não havia festivais de Teatro no país, em que o Teatro de Grupo era desmerecido, em que o Teatro coletivo era tido como uma aventura de amadores, em que o Teatro de Animação era confundido com um entretenimento de festas infantis, em que fazer Teatro para Bebês era quase como fazer Teatro para cachorros. Isso mudou. O que nunca mudou foi a falta de apoio nacional à presença do Teatro brasileiro no exterior – muitos países tomam o Teatro como um símbolo de sua Cultura, de sua presença no estrangeiro e o Brasil tem Teatro de sobra para ser mais do que o país do Carnaval e do futebol. Como nunca mudou a fragilidade da ligação entre Escola e Teatro, quando a Cultura e a Arte são vitais para o desenvolvimento do ser humano e têm que estar ligadas estreitamente à Educação. E ainda há muito para se fazer para que o Teatro seja entendido como Arte e não um simples negócio e entretenimento. E ainda é preciso que a infância – e, especialmente, a primeira infância – seja entendida, respeitada e priorizada.
Crescer: Qual o (s) espetáculo (s) que mais repercutiu (repercutiram) na imprensa nesses 30 anos e por quê?
Cherubini: Nunca nos preocupamos muito nem em medir repercussões na Imprensa, que muitas vezes tem mais a ver com um projeto mercadológico, nem em nos medir por elas. Nunca preferimos agradar críticos, que frequentemente têm mais a ver com fazer um teatro muito bem feito ou muito chamativo, a correr riscos verdadeiros. Nunca buscamos prêmios. Assim, tivemos momentos em que estivemos mais na moda e momentos em que estivemos mais desaparecidos da mídia, mas soubemos criar alternativas de divulgação e conseguimos, sempre, manter o nosso público. Mantivemos um perfil discreto e, talvez por isso, sejamos respeitados e pouco temidos. E, mesmo surpreendendo, decepcionando, desagradando – o que é próprio de um teatro experimental e de pesquisa –, criamos poucos desafetos. Colecionamos, entretanto, um grande número de matérias, sobretudo, de nossos espetáculos Beckett, Mozart Moments, São Manuel Bueno, Mártir, Só, Cadê o meu Herói?, Submundo, do nosso Teatro para Bebês, mas desconfiamos que, mais do que por uma moda momentânea, pela longevidade desses espetáculos.
Crescer: Como é a repercussão internacional dos espetáculos do grupo Sobrevento? As temáticas e linguagens escolhidas atingem também o público de outras culturas e realidades?
Cherubini: O Sobrevento é muito reconhecido no meio teatral de muitos países, não só por sua presença com espetáculos em muitos festivais importantes, mas também pela colaboração e intercâmbios com várias companhias estrangeiras e pela curadoria de muitos festivais internacionais de teatro no Brasil (Rio Cena Contemporânea, SESI Bonecos, Festival Internacional de Teatro de Objetos, Primeiro Olhar, Semana Internacional de Teatro de Animação do Sobrevento, Rio Bonecos, Mostra Maria Mazzetti, entre outros). E o Sobrevento é muito querido: tanto é assim, que é chamado, constantemente, para festivais no exterior. Porém, fazer Teatro fora do Brasil é sempre uma aventura. Naturalmente, há culturas que conhecemos mais, há alguns idiomas que dominamos, porém, definitivamente, a transculturalidade não existe. Vivemos isso em muitas situações cotidianas, em diferentes países: desde interromper alguém que está falando ou tocar pessoas até cometer gafes só perdoáveis a um estrangeiro desavisado. E isso se potencializa muito em um palco onde você apresenta um espetáculo delicado. Há espetáculos que são fechados, firmes, que são o que são, mas há espetáculos que dependem mais do encontro que todo Teatro é, que dependem mais do público. E, feliz ou infelizmente, nossos espetáculos são todos assim. Nos jornais da Estônia, por exemplo, éramos um grupo vindo de um país “exótico”. No Irã, censores nos obrigaram a dançar uma valsa a um palmo de distância um do outro. E um espetáculo nosso que criou filas imensas na Irlanda, foi um fiasco em sua primeira apresentação na Escócia, dois dias depois, e outro sucesso na Espanha, na semana seguinte. Porque irlandeses, escoceses e espanhóis são, definitivamente, diferentes. E um espetáculo nosso no País Basco será bem diferente na Andaluzia e na Catalunha, mesmo com um intervalo de um único dia entre as apresentações. Quando se conhece bem um povo, esse diálogo se dá de forma mais controlada. De todo modo, fazer Teatro fora do Brasil é sempre navegar um mar desconhecido, não só por conta de temáticas e linguagens, de idiomas, musicalidades, gestos e ritmos, mas também por conta de muitas idiossincrasias sutis, frutos de história, de cultura, que se manifestam por canais que não conhecemos e não somos nem mesmos capazes, vindos de outro berço, de perceber.
Crescer: Mais recentemente, o grupo virou um dos maiores representantes brasileiros do chamado ‘teatro para bebês’. Como foi a repercussão dessa vertente com o público?
Cherubini: Há um preconceito enorme contra os bebês. À primeira infância é negado o direito à integração social, ao convívio comunitário. Os bebês pensam, se emocionam, se comunicam. Todo pai sabe disso, todo professor e funcionário de creche, todo artista que faz teatro para bebês sabe disso, mas ainda há meio mundo a convencer. Os pais lotam as apresentações, se envolvem, se emocionam. Bebês convivem com bebês, formam-se estacionamentos de carrinhos de bebês. E é uma surpresa para os pais descobrir que seus bebês são autônomos em uma experiência teatral. E que gostam não só de xilofone e cores vivas ou tons pastel, mas de violino, piano, branco, marrom, cinza. O problema com os espetáculos para bebês é o excesso de público e a pouca oferta de espetáculos (sobretudo os que traduzam um pensamento firme e uma proposta estética fruto de reflexão e posicionamento), o que é difícil de administrar por programadores e espaços teatrais. Os pais e professores, porém, acreditam no Teatro e o que acontece com os bebês, a partir daí, é uma experiência profundamente comovedora e transformadora: um Teatro como o Teatro deveria sempre ser.
Crescer: Quais os planos após essa mostra comemorativa no Sesc Consolação? O que vem por aí?
Cherubini: Depois do privilégio de apresentar seis de nossos infantis em um dos melhores teatros do país e um dos Teatros mais queridos por nós e todos os paulistanos, queremos apresentar os adultos de nosso repertório. E outros espetáculos especiais, para todo o público, que também mantemos vivos. Faremos uma nova edição de nosso Festival Internacional de Teatro para Bebês, circularemos com nossos adultos mais recentes pelo interior de São Paulo e por diferentes estados brasileiros e, se tudo der certo, visitaremos Rondônia e Rio Grande do Norte, os dois únicos estados brasileiros onde nunca estivemos. E queremos voltar a cartaz com o nosso último espetáculo – Só – e criar um novo espetáculo, comemorativo dos nossos trinta anos, e recompor esta nossa trajetória, quem sabe em uma exposição, quem sabe em um livro, se contarmos com mais sorte do que temos tido (porque ainda precisamos de uma subvenção pela qual estamos lutando). Nossos planos só vão, por enquanto, até aí. Construímos nossa carreira fazendo, fazendo, fazendo – Teatro e planos – e assim seguiremos adiante, juntos, intranquilos, tanto tempo quanto o tempo nos der.
Serviço
Sesc Consolação
Rua Dr. Vila Nova, 245
Tel.: (11) 3234-3000
Sábados, sempre às 11 h
Ingressos a R$ 17 (inteira); R$ 8,50 (meia) e R$ 5 (credenciados do Sesc)
Dia 09/01: O Anjo e a Princesa
Dia 16/01: A Cortina da Babá
Dia 23/01: Mozart Moments
Dia 30/01: Cadê o Meu Herói?
Dia 06/02: Bailarina
Dia 13/02: Meu Jardim