Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 04.12.1976

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Seu Sol, Dona Lua, um tempo novo que se inicia

Seu Sol, Dona Lua, de Marcos Sá, foi uma das peças que chegou até a fase final do Concurso de Dramaturgia Infantil do Paraná, deste ano, vencido por Eu Chovo, Tu Choves Ele Chove, de Sylvia Orthof. Mesmo sem ter sido uma das cinco premiadas Seu Sol, Dona Lua recebeu uma boa votação no primeiro escrutínio: obteve onze pontos e meio quando a vencedora conseguiu dois pontos a mais. Na realidade, o texto é bastante feliz ao partir de uma situação de fantasia (o amor entre o Sol e a Lua) para questionar um dos aspectos mais negativamente reais da vida das crianças: a repressão dos mais velhos determinada por uma visão deformada do mundo. Tal visão fica bem expressa numa das frases do personagem Tempo, para quem todas as coisas são imutáveis e definitivas, devendo o hoje ser igual ao ontem e ao amanhã.

– Aqui não pode acontecer nada diferente. Dia é dia e noite é noite.

Contra essa atitude fechada perante a vida coloca-se Tempito, que, na realidade, é o tempo novo que se inicia:

– As leis do universo não podem ser mudadas para que duas pessoas se amem?

A partir daí manifesta-se o conflito básico, com o Sol e Lua querendo se encontrar, mas sendo isso impossível porque as leis do universo determinam que o Sol se esconda às seis e meia e que a Lua só possa aparecer quando não houver mais Sol. Como os dois apaixonados irão se relacionar?

Entretanto, quando as cucas que se opõem estão suficientemente abertas, as soluções são encontradas até dentro das próprias leis do Universo. Assim é que, para tais ocasiões, já foi inventado o eclipse.

Excetuando-se o “fraco” do autor pelas frases feitas, a peça de Marcos Sá é muito boa: inteligente, com uma boa evolução, tratando com lucidez esse problema diário das crianças que é a repressão das mentes fechadas.

O espetáculo dirigido por Renato Coutinho é demasiadamente tímido na exploração do conflito e carece de dinâmica. E talvez a causa da grande frieza da montagem esteja na opção musical. Na utilização do play back vemos jogadas fora a boa música de Eduardo Souto e toda uma possibilidade de dinamismo cênico. As canções só funcionam quando cantadas por Tempito (Lauro Del Corona), pois ele solta a voz, o que lhe permite tomar atitudes em cena nas quais acredite. O que não ocorre com os demais, que fingem que cantam, quebram a continuidade de seu trabalho de interpretação e demonstram, a cada verso, que não estão à vontade, que estão visivelmente sem jeito. A coreografia, pobre e óbvia, também em nada auxilia os atores. Lauro Del Corona, Ligia Diniz e Nildo Parente estão bem, mas poderiam render muito mais se realizassem uma movimentação livre e criativa. Francisco Hozanan, entretanto, está bem deslocado e inseguro – consequência direta, talvez, de ter entrado agora no espetáculo, substituindo Marcos Sá

Entretanto, apesar das observações feitas acima, a encenação é bem cuidada e pode ser apreciada sem problemas pelos nossos filhos. A lamentar, nessa melhoria de programação feita pelo Teatro da Galeria, que sua plateia infantil já esteja tão viciada em interferir nos espetáculos, prejudicando constantemente os atores em cena. Essa será a nova plateia do futuro e espero, sinceramente, que não seja esse o estilo de público que caracterize o “novo tempo”. Enfim, é como diz o autor: “Tua cabeça é a tua própria varinha de condão. Mas tem gente que usa a vassoura da bruxa”.