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A infância é uma circunstância ou uma prerrogativa que só pode ser experimentada por crianças, a despeito de suas culturas, hábitos e valores. Para clarificar ainda mais o conceito é preciso reforçar o seu aspecto sócio-histórico para que se possa entendê-lo como algo não estático nem fechado, mas em movimento permanente de significações nos diferentes tempos, espaços e culturas.

Como curiosidade, não custa lembrar que o conceito de infância não surgiu no exato momento em que se teve registro de vida na Terra, nem quando se comprovou o nascimento das primeiras crianças.  Somente a partir do século XVIII, o conceito foi se delineando para atender a uma necessidade social de compreender e de nomear os aspectos próprios de um determinado período da vida das pessoas.

Com relativa frequência, se qualifica popularmente certos comportamentos adultos considerados inadequados, pueris ou simplórios como sendo “ações infantis ou criancices”, supondo-se que, de crianças, se deva esperar apenas tolices ou inconsequências. Ao mesmo tempo, afirmar-se também que adultos ou crianças muito felizes e que distribuem sorrisos fartos se comportam como “pintos no lixo”, associando esta expressão de felicidade e prazer à situação de exuberância, de sobra e de fartura. Por que será?

No Brasil, as pessoas são consideradas crianças desde o momento em que nascem até completarem doze anos, mas nada impede que meninos e meninas com mais idade permaneçam vivenciando certos aspectos relativos à infância. Ser criança, portanto e infelizmente, não garante indistintamente a todos os que têm até 12 anos de vida o direito de ter infância.

Quando a criança tem infância ?

Não parece correto elencar determinados quesitos comuns e genéricos que caracterizam a infância em todas as culturas. Não há uma única forma de entendê-la e de conceituá-la. O conceito de infância plena se sustenta em aspectos multissetoriais, como os biofísicos, sócio-emocionais e afetivos, cognitivos etc. A ótica biológica atende a uma parte da verdade quando explica a vida por etapas sucessivas, mais ou menos demarcadas, que respeitam certa regularidade, do nascimento à vida adulta. No entanto, isso garante a todos o fato de um dia terem sido crianças, mas pouco ou nada diz sobre suas infâncias.

Para saber mais sobre a infância das crianças é imprescindível conhecer a forma particular como se deu a sua vivência em cada fase, individualmente e em grupo, na família e na escola, na rua, na comunidade e em cada cultura específica. Cada cultura atribui valores, condutas e expectativas sobre o que é considerável desejável, prazeroso, previsto em lei, proibido, necessário etc para suas crianças que “personalizam”, digamos assim, o conceito de infância. Ainda assim, cada criança imprime, sempre, um tom muito subjetivo às suas experiências infantis, a despeito do que esperam e determinam os adultos, mesmo quando elas têm uma mesma idade, são de uma mesma família ou comunidade.

Esse jeito próprio e único de cada criança ser, de sentir, de se relacionar, enfim, de viver, impacta e é impactado por muitos aspectos intervenientes, como: as relações interpessoais e aspectos sócio-afetivos com outras crianças e adultos em geral; as relações familiares e a qualidade do compromisso que cada responsável estabelece com suas crianças; as oportunidades desiguais de acesso aos bens culturais de sua comunidade e de seu povo; a renda familiar; e a maior ou menor garantia de acesso aos direitos garantidos à infância.

Para tentar explicar então porque a infância é uma prerrogativa das crianças mas sem efeito de mão dupla, é preciso tentar entender que condutas, costumes e condições podem impedir a um determinado grupo de crianças o exercício de uma infância plena e feliz?

As respostas podem ser encontradas nos casos em que um ou mais direitos infantis são violados. Por exemplo: quando as crianças vivem sem uma família, biológica ou substituta; quando são privadas de frequentar creches, pré-escolas e/ou escolas; quando lhes faltam alimentos, remédios e médicos; quando são exploradas, abusadas ou negligenciadas; quando lhes faltam tempo, espaço adequado e outras crianças para brincar livremente, inventar, descobrir e levar sua curiosidade ao extremo. Também quando lhes faltam histórias encantadas com príncipes e sapos, fadas e bruxas; e sempre que não há adultos com quem conversar, que lhes digam sim, sempre que possível e não, quando necessário. Crianças sem infância, em geral, também desconhecem a autoridade dos adultos sem exageros e, assim, não descobrem que sua autonomia se constitui no passo, na convivência.

Não há infância quando faltam às crianças interlocutores sensíveis e firmes, que lhes orientem e lhes deem amor. Que lhes protejam, sem incapacitá-las, mantendo suas mãos e braços grandes e fortes estendidos, garantindo acolhimento e proteção.

Com tudo isso, sabe-se que é na infância também que as crianças aprendem com seus pares a rirem de si e dos outros sem deboche, desrespeito ou preconceito. Para concluir, faltam os abraços quentinhos e as negociações compartilhadas para a solução dos impasses cotidianos. Nessa trilha, os adultos contribuem também para que suas crianças descubram o real valor do dinheiro na sociedade em que vivem já que, comprovadamente, ainda que a propaganda aposte no oposto, TER é bastante diferente de SER, não apenas no que se refere aos bens materiais. SER criança e TER infância são dois pratos de uma balança que ainda está em busca do seu fiel.

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Maria Inês Delorme
Jornalista, professora da UERJ, Mestre em Educação pela PUC-Rio e Doutoranda na área de Educação e Mídia, também pela PUC-Rio. Diretora do Núcleo de Publicações da MultiRio, empresa da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

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Obs.
Este texto foi retirado do site: www.multirio.rj.gov.br/riomidia