Cenógrafo Aproveita bem os tecidos coloridos durante a peça

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 11.07.2004

 

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Ryokai e o lugar onde não se morre: Tema complexo, com muitas mensagens, desenvolvido com talento

Capacidade de deixar perplexa qualquer plateia

Fazer uma peça sobre o desejo de imortalidade do ser humano não é tarefa das mais fáceis, principalmente se o público-alvo for infanto-juvenil. Em Ryokai e o Lugar Onde não se Morre, em cartaz no Teatro do Jockey, o autor e diretor Antonio Karnevale se impõe esse desafio, criando o espetáculo a partir de duas lendas medievais de autores desconhecidos, uma italiana e outra japonesa.

A história começa com a morte de um amigo de Ryokai, ainda adolescente. Inconformado com a perda e chocado com a tomada de consciência de sua própria mortalidade, ele decide deixar a casa de sua mãe e sair pelo mundo à procura de um lugar onde nunca morrerá. Em seu caminho, encontra diferentes personagens: três velhos – um trabalhador, um avarento e outro ambicioso – e uma bela moça cega, que também acaba morrendo. O tempo passa, até que, bem mais velho, Ryokai tem seu primeiro encontro com a Morte, que lhe dá a dica de que a melhor forma de se tornar imortal é ser útil para alguém. Seguindo seu caminho, o protagonista encontra um sábio, que tenta mostrar a ele como a vida na Terra se tornaria impossível se ninguém morresse.

Finalmente, depois de muitos anos, já com os cabelos brancos, Ryokai chega a uma cidade que está impedida de se comunicar com o mundo por causa de uma avalanche. Decide então construir um túnel na montanha para resolver o problema de toda aquela gente. E só aí descobre que só é possível manter-se vivo na memória de alguém.

Como se vê, a peça é cheia de mensagens que, algumas vezes, não são facilmente compreendidas pelas crianças. Mas isso invalida o espetáculo? De jeito nenhum. A proposta do diretor é interessante e alguns aspectos da montagem, muito bem-sucedidos. O cenário de Carlos AIberto Nunes está totalmente de acordo com a proposta da peça. Muito amplo, claro, ele nos transporta para algum lugar muito distante, possivelmente no Oriente. Além disso, o cenógrafo aproveita muito bem os tecidos coloridos para simbolizar os caminhos percorridos pelo protagonista. Os figurinos de Kika de Medina e Ney Madeira seguem a mesma linha da cenografia, utilizando cores vivas em alguns momentos, e escuras, em outros, dependendo das situações vividas pelos personagens. E tanto a trilha sonora de Lucina, Antonio Karnewale e Maria Assunção quanto a iluminação de Aurélio de Simoni pontuam com muita delicadeza a passagem dos anos e as descobertas do protagonista. Os técnicos envolvidos na produção da maquiagem, dos bonecos e dos adereços também realizam um belo trabalho, assim como Rodrigo Maia (Ryokai) e Raquel Libório (Oyumi), os destaques do elenco.

Ryokai não é um espetáculo transparente para o público infantil. Talvez, numa outra montagem, sem as cenas criadas para conquistar as crianças, pudesse agradar em cheio ao público adulto. Na verdade, a peça causa certa perplexidade em pessoas de qualquer idade. Não estaria aí o mérito da montagem?