Ruth de Souza, Mira Palheta e Roque Bitencourt são alguns dos atores de A Revolução dos Patos, no Teatro dos Quatro

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ana Maria Machado – Rio de Janeiro – 18.08.1978

 

Um Espetáculo Simpático Num Novo Espaço

No Teatro dos Quatro, novo e excelente espaço que as crianças cariocas acabam de ver incorporado ao seu circuito teatral, a montagem de A Revolução dos Patos comprova como uma produção cuidadosa e uma direção inteligente podem dar a volta por cima de um texto capenga e chegar a um espetáculo simpático e atraente. A história que serve de ponto de partida é carregada de equívocos, embora bem intencionada. Imaginando uma situação em que três grupos de patos de cores diferentes vivem em conflito, a peça se constrói a partir da hipótese de que os patos brancos detêm o poder e são os donos do lago, enquanto os outros dois grupos não têm água nem mando: os pretos têm o milho que plantam e os amarelos têm as casas que constroem. Essa confusão entre os grupos étnicos e a divisão social do trabalho está na raiz de todo mal-entendido da peça.

Afinal, se alguém pode viver sem comer, então tudo é permitido, já que os poderosos deixam de estar sujeitos às pressões sociais de quem trabalha e detêm os meios de produção, pois enquanto os lavradores e operários de construção geram sua própria riqueza, os nobres têm água apenas por razões geográficas, por morarem perto do lago. E o texto ainda incide em dois erros frequentes em nosso mau teatro infantil: é cheio de conselhos edificantes e precisa se apoiar num narrador, sendo incapaz de conduzir a ação em termos meramente dramáticos. No entanto, apesar de começar com todas essas desvantagens, o espetáculo é bom, se conseguirmos abstrair os problemas do enredo, o que é possível, pela própria linha crítica que a direção imprime à montagem, presente até mesmo no tom irônico e gozador com que os atores pronunciam os chavões do texto, sublinhadas ainda por uma gesticulação caricata. Além da direção que atesta a crescente maturidade do trabalho de José Roberto Mendes, o elenco fornece um apoio inegável a essa proposta.

A comunicabilidade de Grande Otelo com a plateia é qualquer coisa de notável e, mesmo quando ele se atrapalha com suas falas e improvisa, estabelece uma sólida ponte entre a criançada e o que se passa em cena. Alby Ramos, Beth Erthal e Ruth de Souza também contribuem grandemente com sua experiência para o tom eminentemente profissional do espetáculo. Os cenários são muito bons, o amplo emprego de almofadões dos mais variados formatos numa peça para crianças é um verdadeiro ovo de Colombo; os figurinos funcionam razoavelmente, embora sua esquisitice não chegue a se definir como uma linha coerente. Não se explica, por exemplo, que os amarelos sejam amarelos mesmo e os pretos sejam multicores, e a roupa da narradora é uma das coisas mais feias que nossos  palcos têm mostrado, em muito tempo.A música de Chico Buarque, no início da carreira, não chega a ser brilhante, mas é gostosinha. E, sobretudo, o espetáculo tem ritmo e atmosfera, o que lhe garante o pleno domínio da plateia em um momento teatral divertido.