Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 09.09.1978
Uma revolução bonita, mas muito arbitrária
Pela primeira vez vi um espetáculo infantil que, além de não ser prejudicado pelo cenário do teatro para adultos, é indiscutivelmente beneficiado por ele. Trata-se de A Revolução dos Patos, de Walter Quaglia, em cartaz no Teatro dos Quatro. O belíssimo cenário de Hélio Eichbauer para Os Veranistas (que é, para mim, o melhor espetáculo para adultos em cartaz), é ambiente adequado à história de Quaglia. Mesmo assim, o cenógrafo e figurinista Tawfic ainda conseguiu criar um resultado visual muito gostoso, numa agradável combinação de cores e definido as áreas de cada família apenas com detalhes. Dessas três áreas sobressai a solução dada à família dos patos amarelos, um cenário de casas desenhado sobre almofadas e que poderia, inclusive, ser mais utilizado pela direção, tirando-lhe a postura estática. Ao final, por exemplo, algumas casas poderiam ser levadas para as terras dos patos pretos e dos patos brancos, mostrando visualmente a união proposta pelo texto.
Outro aspecto a ser ressaltado nesta produção é a preocupação em investir bem num trabalho bom. E, ao mesmo tempo, essa é a maior contradição do produtor Rodrigo Farias Lima. Ele obtém um bom teatro, numa boa localização (parabéns a Sérgio Brito por ter aberto seu teatro também às crianças); contrata um bom elenco onde destacam-se Grande Otelo, Alby Ramos (Prêmio Mambembe de Melhor Ator do ano passado) e Ruth de Souza; contrata um cenógrafo-figurinista que vem de bons trabalhos no teatro para adultos (Vestido de Noiva, Santo Inquérito, Amor do Não) e, aí vem à contradição, escolhe-se um texto fraco, antigo na forma e arbitrário no desenvolvimento das ideias. Ao final, fica no ar uma certa frustração; tanto cuidado e tanta gente envolvida para um texto tão tolo.
Walter Quaglia parte da história do patinho feio e procura discutir as consequências, sobre a vida, de posições ortodoxas e preconceituosas. Para isso, o autor divide o mundo dos patos em três: o dos brancos (que tem um lago para se divertir), o dos pretos (que têm comida) e o dos amarelos (que têm casas). A partir daí o autor coloca a inimizade entre eles, mostrando que os preconceitos impendem que todos os patos tenham moradia, comida e divertimento. Entretanto a maneira como Quaglia passou isso para o papel é muito forçada. Há um narrador que, a todo instante, por ser repetitivo, chama o público de burro, dizendo coisas óbvias; o narrador é inútil, redundante e entrava o desenvolvimento do texto. Há coisas antigas como personagens que se escondem, e se a pata branca não reconhece o marido (pintado de preto) não justifica, de modo algum, que a pata preta confunda seu filho com um pato tão diferente, só porque tinha a mesma cor. Da mesma forma o gancho que o autor utiliza para que os jovens se unam e promovam a revolução dos costumes (a solidão dos patinhos e sua carência afetiva determinando um apego muito grande ao amigo que surge) mostra uma total arbitrariedade do autor, pois ele ainda anula a existência de outras crianças em cada região: Patinha Sonia – “Papai, deixa ele ficar. Eu não tenho nenhum amiguinho”.
A direção de José Roberto Mendes é simples, procurando passar com clareza as ideias do texto. A grande falha do espetáculo, e comprometedora inclusive, está na parte cantada, inicialmente, não se faz uma ligação entre a música cantada e a ação dramática (problema do diretor e do coreógrafo Zdnek Hampl); e, depois, o canto é de uma deficiência gritante (problema do elenco e do diretor musical, Burnier). Numa produção que se caracteriza pelo aspecto profissional, as partes cantadas são o que há de mais amador. As músicas, de Chico Buarque e Burnier, são interessantes e comunicativas, mas . O elenco funciona bastante bem (e aí talvez esteja o maior mérito da direção de José Roberto Mendes), com segurança, e com um certo destaque para Grande Otelo e Alby Ramos. A grande falha do elenco é a citada acima: o canto.
No espetáculo que vi no sábado passado, dois cacos colocados pelos atores quase levaram a peça à união final, proposta pelo autor, mas sim à volta aos preconceitos do início. Quando os patos amarelos resolvem dividir as casa que estão sobrando, foi acrescentada a frase em tom interesseiro: “Em troca do lago e do milho, naturalmente”, mostrando que não houve conscientização; e sim interesse; que houve mais malandragem que senso de justiça. A outra fase infeliz foi dita pelo patinho preto para o pato branco: “Não grita. Cuidado que você está na terra dos pretos”. Isso no final da peça, prova que apesar das aparências e dos acordos feitos, os preconceitos permanecerão cristalizados ad secula seculorum amem.