A irreverência é a tônica desta montagem do grupo Tapa, que consegue uma intensa comunicação com a plateia, pelos seus bons atores. Eduardo Tolentino, na direção segura de um elenco de primeira.

Critica publicada no Jornal da Tarde
Por Alberto Guzik – São Paulo – 29.09.1990

 

 

 

 

 

 

 

Barra

Em revista, 41 anos da história do Brasil

As Raposas do Café, texto de Antônio Bivar e Celso Luiz Paulini, acaba de ganhar uma trepidante montagem do mais que competente grupo Tapa. A peça, que integra uma tetralogia sobre a história do Brasil, resume 41 anos de acontecimentos, que cobrem desde a partida da família imperial (1889) até a chegada de Getúlio Vargas ao poder (1930). Os autores tiveram a inteligência de evitar uma abordagem acadêmica do assunto. Através do recurso simples de colocar em cena uma professora, dona Iracema, que dá aulas polêmicas a suas alunas do hipertradicional Colégio Sion, Paulini e Bivar estruturaram As Raposas do Café como uma revista, onde todas as irreverências são permitidas.

E irreverência é o que não falta na edição que o Tapa fez do texto. Eduardo Tolentino e seus atores privilegiaram, dentro da peça, os aspectos mais polêmicos e iconoclastas. O vasto painel traçado pelos dramaturgos daria um espetáculo de quatro horas, mas foi reduzido à metade. Nessa seleção, deixou-se de lado um conjunto de episódios mais graves, como o da Coluna Prestes. E ganharam destaque os quadros de crítica da história, da política e dos costumes da vida brasileira. A ideia do teatro de revista, feliz sugestão do original, ganha na montagem primeiríssimo plano. O texto fragmentário e provocativo fornece ótima base para a encenação, suscitando um humor que, num segundo momento, desmonta com seriedade dos alvos de sua metralhadora giratória.

As raposas do café é a imagem cômica de um país triste. A família imperial, em trajes de dormir, consente em partir do Brasil (mediante gorda indenização). Os barões do café, com máscaras de raposa dignas de teatro infantil, tramam negociatas tenebrosas. Ruy Barbosa é visto como uma caricatura de Agostini. A Primeira República vem resumida em cenas de cabaré. A cultura decadentista do início do século cristaliza-se num salão onde vícios inconfessáveis e literatura convivem serenamente. À Semana de Arte Moderna e seus irrequietos participantes é dedicado todo um ato do espetáculo, acentuando o ímpeto revolucionário dos artistas e seu contraditório envolvimento com a aristocracia paulistana.

Eduardo Tolentino articulou nas Raposas do Café uma das melhores encenações já apresentadas pelo grupo Tapa. O texto permitiu-lhe trabalhar várias linguagens, da comédia de costumes à revista. Com um magnífico cenário de J. S. Serroni, belíssimos figurinos de Lola Tolentino, saborosa seleção musical de Gustavo Kurlat, a montagem se escora em irretocável produção. O ritmo do trabalho é vivo, dinâmico. E o diretor obteve do vasto elenco uma participação homogênea e vibrante, que faz lembrar o cerrado trabalho de equipe dos tempos heróicos do Teatro Oficina.

A viga mestra das Raposas do Café é a participação enérgica dos atores, responsável pela intensa comunicação que o trabalho estabelece com a plateia. Vera Mancini faz uma professora aloprada de causar inveja a Jerry Lewis. Denise Weinberg brilha satirizando Anita Malfati. Genezio de Barros incorpora Mário de Andrade. Ernani Moraes ressuscita a vitalidade transbordante de Oswaldo de Andrade. A linda Clara Carvalho está excelente como uma feia e desleixada Princesa Isabel. Brian Penido compõe com sutileza um suspirante poeta parnasiano. Guilherme Sant´Anna, sempre ótimo, vai de Lima Barreto a uma apresentadora de tevê. São alguns destaques de um elenco que merece, em conjunto, todos os aplausos.As raposas do café vem confirmar que o Tapa, um dos melhores grupos do país, cresce a cada espetáculo, surpreende o espectador com renovadas ousadias e consegue, corajosamente, fazer teatro sério e bom.

Serviço
Raposas do Café – De Antonio Bivar e Celso Luiz Paulini. Direção de Eduardo Tolentino. Com o grupo Tapa. Teatro Aliança Francesa (r. Gal. Jardim, 182. Tel: 259 0086). Quarta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 500,00 (quarta); Cr$ 700,00 (quinta, sexta e domingo); Cr$ 900,00 (sábado).