Sancho Pança (E) e Quixote na Montagem de Cláudio Sásil

 

Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 17.09.2005

 

 

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Cervantes para criança

Jovem elenco defende com garra a bela e criativa encenação de Quixote

A Companhia Ser ou Não Cena está apresentando na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, o espetáculo Quixote. Escrito por Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616) há exatos 400 anos, Dom Quixote faz uma paródia dos livros de cavalaria e é considerado o primeiro grande romance da literatura universal. Críticos literários de várias partes do mundo o escolheram como a melhor obra de ficção de todos os tempos.

Além de falar do sonho, do ideal, do devaneio, no sentido exato de que fala Bachelard em A poética do devaneio, Dom Quixote também faz crítica social ao retratar a decadência do reino espanhol, marcado pelo desemprego. Os caminhos estavam cheios de mendigos, vadios, charlatões, bandidos, toda uma classe de marginalizados e excluídos que destoava dos elmos dos oficiais do rei e dos heróis dos romances de cavalaria. Por isso a crítica ácida de Cervantes aos romances de cavalaria.

A trama aborda um velho e ingênuo fidalgo espanhol que de tanto ler histórias de cavalaria passa a acreditar nos feitos heroicos dos cavaleiros medievais e decide se tomar um cavaleiro andante. Para tanto, se veste com uma armadura enferrujada que fora de seu bisavô, confecciona uma viseira de papelão e se auto-intitula Dom Quixote de La Mancha. Como todo cavaleiro, ele precisa de uma dama para honrar. Elege então uma lavradora que conhecia de vista e a chama de Dulcinéia. Depois de tomar essas providências, monta em seu decrépito cavalo Rocinante e foge de casa em busca de aventuras.

Cláudio Sásil assina a direção e a adaptação – que tem a qualidade de ser absolutamente fiel ao texto original e, ao mesmo tempo, absolutamente infiel, como devem ser as transposições de linguagem. O humor sutil de Cervantes, que se insinua no contraponto entre D. Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança, ganha contornos de comicidade ao opor o cotidiano ao quimérico, o heroico ao cômico.

Cláudio Sásil exibe uma direção segura e um desenho cênico de contorno muito bem definido com imagens e soluções cênicas criativas. Cláudio também assina o cenário, fixando imagens-símbolo de D. Quixote, como os moinhos de vento. A luta de um cavaleiro contra os moinhos de vento significando a eterna busca do sonho é uma metáfora perfeita para a obra de Cervantes. Sásil ainda é responsável pela trilha sonora, grandiloquente ou sutil nos momentos certos, com interferência de instrumentos tocados ao vivo que pontuam a narrativa.

Com certeza esta montagem de D. Quixote é uma obra autoral, tantas vezes Cláudio Sásil aparece como responsável pelas linguagens diversas que constituem o tecido narrativo do espetáculo. Juntamente com Zelda de Sá, assina os belos e criativos figurinos, que reconstituem de forma não realista as vestimentas da época, em suas cores e formas, constituindo-se um dos pontos altos do espetáculo.

Utilizando-se muito bem do recurso do teatro de sombra, o espetáculo tem uma luz precisa e onírica, de Diego Diener. O jovem elenco defende a peça com uma garra que supera sua pouca experiência. André Siqueira, que faz Quixote, tem o tipo físico perfeito para o papel e busca encontrar uma linha de atuação num desempenho difícil que alia devaneio, humor e humanidade.
Anderson Guimarães faz um Sancho Pança com um humor bem dosado, dando um tom abrasileirado à sua composição. Os demais atores se revezam em inúmeros papéis com um desempenho equilibrado. Quixote é sem dúvida um belíssimo espetáculo de qualidade.