Introdução

A partir dos estudos da estética da recepção, não podemos mais desconsiderar o leitor como peça primeira do processo de leitura. Devemos considerar a realidade da obra, os níveis de leitura que transformam o sentido do texto. Para um espectador de teatro também ocorre a leitura do espetáculo, por meio da encenação, os símbolos, os gestos e as ações são lidas e interpretadas. E se toda a leitura depende de fatores como formação cultural, social, além de semântica, das estruturas frasais etc., podemos entender que a criança também o fará a partir de seu desenvolvimento cognitivo.

Para isso, devemos considerar o espectador como um ser ativo que intervém na leitura do espetáculo, ele é o produtor de sentidos de qualquer fato ou texto, e sua leitura se fará a partir da articulação do que é visto com toda sua já conhecida visão de mundo. Portanto, o espetáculo deve ser visto como uma obra aberta, que dependerá, em última instância do valor atribuído ao mesmo pelo espectador.

Pensando nesta importância, buscamos nos estudos sobre a infância o caminho para a descoberta deste espectador específico; analisamos os graus de cognição, o caminho percorrido pelas artes literária e teatral, e a cena carioca nos últimos anos, a fim de apresentar mais chaves a favor da criação do espetáculo, capazes de buscar maior interação com o público infantil.

A especificidade teatral articula múltiplas leituras na geração de um só produto ou enunciado: o espetáculo. Nele dialogam as visões como a do figurino, dada pelo figurinista; a do cenário, pelo cenógrafo; a do texto, pelo dramaturgo; a da encenação, pelo diretor e a da atuação pelos atores. Todas elas formam “um caleidoscópio de sentidos e significados” E este “só alcança seu sentido completo a partir do modo de compreensão destas mensagens, realizado pelo espectador”. (01)

Segundo Márcia Abreu nós “lemos com os olhos que o mundo nos deu” e esses olhos refletem-nos, por meio dos sentidos que emprestamos aos textos que lemos. Quando entendemos que o público, o espectador, toma uma atitude responsiva perante a obra teatral, a questão do teatro infantil como qualquer obra de expressão artística, necessitará de cuidados. Esta visão exclui todo o tipo de classificação ou significação pejorativa para o teatro voltado para crianças. Ao contrário se faz mais necessária tendo em vista que são os adultos quem realizam tal obra.

A pesquisa busca, na analogia entre os estudos literários e os estudos da encenação, confrontar questionamentos pertinentes à prática artística do teatro com outros muitas vezes já discutidos na literatura para crianças. E com isto ampliar os debates pertinentes à qualidade do teatro infantil.

O foco deste estudo se fará em dois pontos: a criança e a leitura do espetáculo, ou seja, a criança e a cognição, buscando no distanciamento do estudo histórico, reflexões que iluminem a prática atual. Por isso a busca pelos caminhos que levam ao teatro infantil, tanto do ponto de vista da criança, quanto do ponto de vista mercadológico, do que se produz e têm-se produzido, atualmente, no Rio de Janeiro; a partir do conceito das diferentes percepções de mundo.

Na última parte apresentaremos um breve estudo acerca da percepção cognitiva da criança, com o intuito primeiro, não de restringir, mas sim de ampliar as possibilidades de interpretação do espetáculo, levando em conta os diversos níveis de leitura que a criança e o adulto realizam, ampliar as possibilidades de trabalho na linguagem do teatro infantil, tendo como objetivo o deleite e fruição das crianças, partindo do seu grau de cognição e das relações que estabelecem no mundo.

Apresentaremos também uma breve análise dos temas recorrentes na cena carioca. Tal análise visa levantar questões pertinentes ao fazer teatral para crianças, tanto do ponto de vista de quem as produz, quanto do ponto de vista de quem as escolhe para assistir.

Na segunda parte do trabalho refletiremos a respeito das obras destinadas à criança no Brasil. Da literatura ao teatro e por meio desta, encontrar o caminho do teatro infantil no Rio de Janeiro.

Com intuito enxergar a linha de pensamento que percorre o fazer artístico literário e teatral para crianças, apresentamos um breve panorama, paralelo, sobre a história do pensamento na produção literária e teatral destinada a este público no Brasil.

Iniciamos nosso trabalho discutindo o conceito e visão do que é ser criança, de como a sociedade os vê. Pois, para se pensar em teatro para crianças, além de organizar um conceito e definição do que é o teatro, devemos pensar em para quem é o teatro.

Faz-se necessário salientar que, embora o teatro seja dirigido à criança, é o adulto quem o elabora, a partir de seu interesse, tanto na hora da escolha, quanto na produção artística.

Portanto, para se pensar na criança como espectador, precisamos pensar, também, sobreque adulto fala à esta criança? E sob qual ponto de vista ele fala? No caso da literatura, temos na história da narrativa para criança no Brasil, momentos em que a fala destinada à criança se fazia de forma autoritária e dogmática. Cabe então um novo questionamento: de que forma a cena teatral se apresenta hoje, sob quais pontos de vista, ou sob quais interesses?

Outro questionamento pertinente: O que ou de que forma o adulto vê a responsabilidade de apresentar o mundo à criança? Apresentamos a todo o momento o mundo para estes que começam a vivenciá-lo. E nesta questão, não entra o didatismo, como costumamos ver. O teatro como produto cultural comunica a seu público. Para isso teríamos que chegar a um estudo profundo a respeito de quem são os produtores – atores, os envolvidos no processo de criação e realização de teatro para crianças. Mas, este não é o intuito deste trabalho. Apresentamos apenas um breve perfil temático da cena teatral carioca a fim de fertilizar o solo de tantas outras pesquisas que cabem neste campo.

Resumo

O presente estudo pretende abordar questões pertinentes á prática do teatro infantil. Para tal, tomamos como base o destinatário primeiro da obra, a criança, com a sociedade a vê, e o processo histórico ao qual a infância foi submetida. Estudamos a história da produção literária e teatral para crianças no Brasil, e apresentamos um breve panorama dos de alguns dos agentes, produtores, grupos e entidades relativas à prática teatral carioca contemporânea. Analisamos as críticas teatrais sob o ponto de vista temático, assim como as questões envolvidas neta realização. Em seguida partimos para o estudo da recepção da obra realizado pela criança, com base nos estudos do desenvolvimento cognitivo. O objetivo cumpre em refletir a respeito da produção de teatro para crianças, visando a qualidade da obra, assim como a sua comunicação com o destinatário primeiro desta.

Nota de Rodapé

01 – RYNGAERT, Jean- Pierre. Introdução à análise do espetáculo. São Paulo: Martins Fontes, 1996