Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 26.07.1980
Onde estão os autores?
Um dos maiores problemas para o enriquecimento do teatro infantil está no pouco desenvolvimento de nossa dramaturgia para crianças. Nestes anos em que venho assistindo ao teatro infantil em todos os finais de semana e que tenho participado como júri de diversos concursos de texto, vi surgir inúmeros autores muitas vezes inexperientes, mas com indiscutível talento. Entretanto, com esses autores não há continuidade existe, tem surgido também uma certa estagnação. Dessa forma, Maria clara Machado ainda prossegue sem rivais à altura, com seu nome virando sinônimo, para o público, de um teatro infantil de boa qualidade. A busca de textos é o grande problema dos produtores mais conscientes; é o grande problema dos diretores; do elenco; do cenógrafo; do figurinista.
Essas observações surgem a propósito de Queridos Monstrinhos, em cartaz no Teatro Casa Grande, e pode parecerão leitor que o texto de Paulo César Coutinho seja o grande culpado de um espetáculo que vai tropeçando do início até o seu final. Não é isso. Chamei a atenção para o problema da falta de bons textos porque aí está a origem de um bom ou de um mau espetáculo; e porque a peça de Paulo César demostra algumas falhas de carpintaria teatral que já estão se tornando uma rotina dentro do panorama do teatro para crianças. Nota-se logo, em princípio, a ausência de um sentido de síntese, essencial a um bom desenvolvimento dramático: a história que nos é contada, pela trama, poderia usar metade do tempo gasto. Na primeira cena, por exemplo. No castelo da bruxa, é impressionante o tempo que se perde em relação ao que a plateia recebe, em termos de informação ou de cenas expressivas (aliás, essa observação pode ser considerada também, para o resto da peça). O autor cria personagens que, em princípio, interessam à criançada (Vampiro / Bruxa / Lobo / Ratinha / uma Fada gorda e casadoira / e uma Fada Mãe chata e repressora); cria, também, uma trama que mantém o interesse (as dificuldades existentes no amor do Vampira galã pela Fada encalhada). Entretanto, as boas ideias recebem um desenvolvimento muito irregular e a peça não consegue manter um interesse constante e progressivo. Além do mais o autor parece ter sentido necessidade de ser “atual” e enxertou no texto algumas piadas de sentido político, falando em Salazar, família, propriedade, ordem e progresso. Mas isso é colocado de modo tão gratuito (além de não ter a menor resposta da plateia infantil) que fica como falas soltas no espaço, como se fossem cacos do próprio autor.
A direção de Chico Terto amplia ainda mais as falhas do texto, realizando uma encenação também com uma narrativa aos tropeços, com cenas resolvidas sem uma dose maior de inventiva. Quando inventa, dá azar e o tiro sai pela culatra: a iluminação da primeira cena, escura daquele jeito, aliada ao tempo de duração da mesma, é um sério convite a sonolência. Além do mais, o espetáculo tem um visual feio. Os aspectos mais positivos observados em Queridos Monstrinhos ficam a cargo dos atores: Pedro Aurélio, no papel de Vampiro, transmite um tom em que se misturam o safado, o sensual e o lúdico; e Vera Holtz, como Bruxa, é a atriz que mantém acesa a chama do espetáculo, como seu pique, sua comicidade e sua dinâmica.