Crítica publicada no Site do CEPETIN
Por Rodrigo Fonseca – Rio de Janeiro – 17.03.2008

 

 

Barra

Num velho longa-metragem hollywoodiano dos anos 1970 chamado O Cão de mil Donos, o pastor alemão Fumaça passa de casa em casa até achar um pequeno amo para chamar de seu. A cada andança, ele vive uma aventura. É mais ou menos a mesma lógica do que acontece com o protagonista canino de Procura-se Hugo, escrito por Dilea Frate e (bem) dirigido por Luís Igreja, com a assistência cênica de Gisela de Castro.

A semelhança central entre os dois cachorros está no sentimento de solidão que ambos evocam. Já as diferenças são duas. Uma, mais leve, é o grau de perigo a que Fumaça se submete em suas andanças. A segunda, ligeiramente preocupante, é no certo tom “anarquista”, ou melhor dizendo, desapegado do vira-lata Hugo. Enquanto Fumaça pede colo, casinha e papita na tigela, Hugo quer correr o mundo. Ok! Ele tem seu direito. Como já dizia o título de um antigo desenho animado: “Todos os cães merecem o céu”. O problema é que, a olhos infantis, o céu buscado pelo personagem da peça de Dilea pode parecer um céu de brigadeiro. Mas, na prática, ele não é feito de granulado de chocolate e sim dos espinhos do risco. Como explicar a uma criança, ao fim da apresentação: “Não, filho, não dá para você deixar a sua casa para trás e sair sozinho pelo mundo”? Na metade do espetáculo, conforme o totó de cara manchada vai acumulando encontros com tipos neuróticos, a sensação que contagia a plateia é a vontade de sair livre pelo mundo. Caminhado e cantando. Ou, no caso, latindo.

Em si, esse sentimento de liberdade que norteia a peça de modo algum deve ser encarado como um aspecto nocivo. A queixa que fica no ar, em relação a ele, é outra. Ela envolve o fato de que a dramaturgia de Procura-se Hugo não desenvolve bem esse lado libertário de Hugo, que acaba contagiando toda a cena.

Apesar de impecável nos quesitos formais de produção, em especial no acabamento de cada cenário assinado por Doris Rollenberg, o espetáculo derrapa em sua porção final conforme o texto de Dilea vai dando sinais de falta de reflexão sobre os dilemas existenciais abordados no cerne do enredo. Entre idas e vindas das casas onde é adotado, Hugo (interpretado por Ademir de Souza, cujo gestual é inteligentemente empregado em favor do riso) deixa crescer em si a vontade de desbravar o mundo sem coleiras para frear seu instinto. Dramaturgicamente, esse desejo do personagem carece de melhor desenvolvimento, até para que ele seja assimilado com clareza por seu público mais imediato: a criançada. No entanto, não é isso que acontece no palco.

Refinada na administração do humor e da ternura, a direção de Luís Igreja peca apenas ao não enfrentar essa deficiência do texto, respeitando-o sem um plano B criativo que conduzisse a um entendimento mais reflexivo da questão da liberdade.

Fica, ao fim da encenação, aquele incômodo “Acabou? Como assim?”.Apesar disto,várias soluções narrativas adotadas por Igreja – em especial, o equilibrado uso de recursos cinematográficos, através de uma animação de Marcos Magalhães – impressionam. O mesmo pode ser dito do elenco,que se afina em conjunto.

De todos os intérpretes, Luana Martau é quem mais se destaca, pela mescla de empáfia e charme com que compõe a Gata, a maior rival de Hugo. Tania Gollnick também surpreende nos trejeitos afrancesados da atriz Diana.

Na soma dessas boas atuações e do requinte cenográfico, Procura-se Hugo se impõe com firmeza na atual cena teatral infantil carioca. Mas poderia ir além disso. Bastava um pente fino no texto que repensasse seu desfecho abrupto.

Rodrigo Fonseca foi crítico de cinema do Jornal do Brasil, onde também cobria a área de teatro; atualmente é crítico de cinema do Jornal O Globo.