Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 02.07.1977

Barra

A princesinha mimada 

O aspecto mais positivo de A Princesinha Mimada e o Dragão Malvado está na recusa do Príncipe Felipe em particular de um jogo onde as regras são arbitrárias e inconsequentes. Ele diz não ao jogo proposto; e denuncia o pensamento doentio de quem necessita de que os outros realizam proezas carregadas de coragem e de heroísmo inúteis apenas para atender a seus ridículos caprichos. Entretanto, o autor Lauro Gomes não deu a ênfase necessária a tal aspecto, fazendo com que ele se tornasse apenas um detalhe na história “de uma princesa que quer casar”. O personagem da Princesa não foi suficientemente trabalhado – em termos de mimo e capricho – para justificar a exigência que faz a seus pretendentes. Ao final, pelo impacto da resposta de Felipe, ela se conscientiza. Mas ainda acaba cumprindo a trajetória clássica dos personagens que se apaixonam em um minuto e sem qualquer aprofundamento. E que só são “felizes para sempre” porque a história acaba.

A peça, entretanto, se desenvolve bem, com bastante humor; e carrega, subjacentemente, um certo tom gozativo que a encenação – do próprio autor -, nem sempre explora com o necessário vigor. A montagem se caracteriza pela irregularidade. Bons achados cênicos se alteram com momentos verdadeiramente bisonhos. O espetáculo corre um tanto chocho até a entrada da Rainha; a partir daí a encenação começa a recorrer a outro tom e se solta mais. E quando se utiliza desse caminho que montagem mais se expressa e mais amplia os significados do texto.

Na realidade, a característica mais marcante de A Princesinha Mimada e o Dragão Malvado, é a existência de altos e baixos. Isso é visto tanto na direção, como na interpretação e na coreografia (de Daisy Poli). Como conciliar o solo do rei, sentado em seu trono numa total pobreza criativa, com coreografia eficaz e engraçada de “Fui a uma Macumba lá em Jacarepaguá?” Como conciliar a ingenuidade da maioria do elenco com o bom trabalho de Helena Rego (Baronesa) e com a excelente atuação de Daisy Poli – uma atriz que sabe cantar, dançar, que tem noção de tempo teatral e que sabe se movimentar em cena? Como conciliar a existência de cenas vivas (como a entrada do Príncipe Jasão) com o chocho duelo final? Como conciliar a força visual de cenário (Eloy Machado) e figurinos (Ricardo Steele) com um carteiro vestido de Robin Hood sem qualquer justificativa?

Entretanto, a montagem em cartaz no Teatro Glória é perfeitamente recomendável. As crianças se divertem e não sofrem a ameaça da lavagem cerebral que se procura praticar em tantas outras encenações de peças infantis. Além do mais há uma música muito gostosa (Guilherme Castro) tocada ao vivo. É uma montagem feita profissionalmente, com seriedade, e que respeita sua plateia, procurando apresentar um produto de qualidade. Se essa qualidade nem sempre é obtida, o resultado final, de qualquer forma, ainda é positivo

Atualmente, o teatro infantil carioca já conta com trabalhos expressivos no campo da direção, de música, de cenários e figurinos. Vamos procurar exigir mais da dramaturgia e da interpretação para que alcancem o mesmo nível.