Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 29.01.1977

Barra

É melhor enfrentar do que fugir 

Uma das tendências apontadas por esta coluna no balanço de 1976 (O Globo, 02.01.77) foi a crescente utilização da nossa cultura popular pela dramaturgia infantil. A Princesa do Mar-Sem-Fim, de Benjamim Santos, é um belo exemplo desta tendência. Partindo da ingenuidade e do encanto da literatura de cordel, e da busca de um colorido-síntese de nossas festas populares, o diretor-autor cria, no palco do Teatro Fonte da Saudade (Avenida Epitácio Pessoa 4866), um espetáculo de belas imagens, descontraído, livre e muito criativo. E gostosamente brasileiro.

Em termos de texto, a forma é muito apurada, mas, para a criança, a historinha contada é já antiga, tantas vezes já assistida. Mais uma vez, a princesa vai casar com outro que não adora. Entretanto, o que torna a montagem significativa, é o modo como o texto chega ao público. E é nesse momento que a participação de Kalma Murtinho – nos cenários e nos figurinos -, e a de Marie-Louise Nery – nas máscaras e adereços – adquirem uma importância fundamental.

Inicialmente há a inteligente utilização do espaço, com a multiplicação das possibilidades do parquinho da Fonte da Saudade. Provando que pode ser desenvolvido um trabalho de qualidade com pouco dinheiro e num palco pequeno, o trabalho de Kalma Murtinho é apenas uma questão de bom gosto e de imaginação. No mesmo nível estão as máscaras e adereços de Marie-Louise. Do Gênio até a Bolsinha Amarela, tudo se integra perfeitamente com cenários, figurinos e movimentação dos atores em termos de formas, cores, encantamento. Para todo o envolvimento e tom mágico contribui decisivamente a gostosa música de Luiz Cláudio Ramos e Franklin – graças a Deus tocada ao vivo.

O elenco, de um modo geral, funciona corretamente, apesar da ocasional utilização de certos gestos mais formais que expressivos. Marcelo Peixoto e Tutu Guimarães, como Rei e Rainha, estão incompreensivelmente inexpressivos e, essa última, demonstrou total falta de percepção do espaço na utilização de sua voz.

O espetáculo de Benjamim Santos não consegue resolver a contento as cenas musicais. Os atores cantam baixinho como se pedissem desculpas ao publico pela ousadia, e essa inferioridade se reflete na apresentação de cenas chochas, sem garra, semimortas. De qualquer forma, a produção está de parabéns pela música ao vivo, que auxilia bastante a segurar essas cenas. Se os atores são inexpressivos com a música ao vivo, imaginem dublando.

Mas, vendo o espetáculo como um todo, a participação do elenco é bem positiva e o grupo tem uma qualidade fundamental: os atores procuram interpretar seres humanos e não deficientes – tatibitates. O elenco é formado, ainda, por Demétrio Pompeu, Lúcia Lewin e Carlos Adler. A Princesa do Mar-Sem-Fim é um espetáculo que merece ser prestigiado pelo público. Sua força visual, sem tom alegre, sua fantasia cheia de brasilidade – tudo leva a um resultado muito positivo. E, além do mais, procura mostrar às crianças as forças que devem atuar no seu desenvolvimento como ser humano:

– “Melhor (é) saber”
– “Melhor enfrentar que fugir”