Coreografias de danças populares: um dos recursos utilizados para resgatar de forma didática episódios da História do Brasil


Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 23.07.2004

 

 

Barra

Cem anos em apenas uma hora

Tentando passar informações de uma só vez, Presiganga acaba perdendo o fio da meada. 

Presiganga é o novo espetáculo da Companhia Chronos de Teatro, em cartaz no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim. Trata-se de uma proposta didática de um resgate ficcional da História do Brasil. O texto, de Marcos Henrique Rego, pretende ser um painel do século 19. A peça se resume a uma sequencia de quadros que mostram aspectos diversos deste período: personagens populares, fatos políticos, danças, cantigas e ritmos diversos da cultura afro-brasileira. Mas não há história, não há conflito. Difícil para o espectador se envolver numa trama que inexiste. Prolixo, o espetáculo tenta mostrar, em uma hora, tudo o que é possível. Tantas informações relatadas, em tão pouco tempo, não poderiam deixar de ser superficiais. Os fatos políticos, por exemplo, são contados sem a clareza necessária – tornando-se às vezes simples referências.

Aos poucos, como tábua de salvação, o tom de comédia vai tomando conta do espetáculo, numa estrutura que lembra a das revistas dos anos 40 e 50. Lá, dança, música, humor e quadros políticos simplesmente se sucediam. Esta prolixidade faz com que o espetáculo corra contra o tempo e, assim, as  músicas são cantadas com pouca desenvoltura. Do mesmo modo, as coreografias das danças populares, tão ricas em ritmos e passos, deixam a desejar e as figuras populares que passaram para a História não têm suas histórias  presentes no palco – estudo e pesquisa precedem um bom espetáculo, mas é essencial que ali estejam subjacentes.

A cuidadosa pesquisa sobre cultura popular permitiria construir uma peça cativante, que falasse de nossas origens afro-brasileiras. No entanto, a direção, também de Marcos Henrique Rego, opta por um espetáculo didático e ilustrativo. Até mapas escolares chegam à cena, através de um retroprojetor. No fim, não temos informação histórica consistente, como parece ser o desejo dos realizadores e nem emoção,  matéria prima do teatro.

O elenco tem desempenho fraco. Sem um preparo adequado, os atores ficam próximos do amadorismo, tentando suprir esta deficiência, se movimentam excessivamente, não havendo qualquer esboço de desenho cênico. Tentando “brincar” com uma possível impostação dos personagens da corte, os atores caem na cilada de dizer o texto de forma ritmada e cadenciada – e isso já há muito tempo abandonou os espetáculos infanto-juvenis.

O cenário é a caixa preta do palco italiano, com elementos cênicos sem expressividade. O próprio navio-prisão Presiganga, feito de ferro, não causa nenhum impacto. Além disso, os adereços inspirados na cultura popular se perdem em meio ao tumulto das cenas. Os figurinos, de Ricardo Rocha, nem são realistas, nem seguem uma proposta estética definida. A luz de Renato Machado, para quem acompanha seu excelente trabalho, está irreconhecível. Canhestra e equivocada.

No texto de divulgação para a imprensa, a teoria e as indicações de pesquisa são muito mais consistentes do que se vê em cena. Há uma nítida dificuldade de direção de transpor para o palco o conceito, a ideia e a proposta do espetáculo. Assim, Presiganga é uma colcha de retalhos de fatos históricos, danças, festejos, numa proposta teatral vista não como obra de arte, mas como recurso auxiliar didático-pedagógico. O teatro não ensina, e sim surpreende, instiga, estimula, emociona, provoca e faz refletir. Presiganga, infelizmente é um trabalho equivocado do grupo Chronos.