Crítica publicada em O Globo
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 07.08.2004
Presiganga: Boa pesquisa histórica se destaca no espetáculo simpático do grupo Chronos
Um pouco da História do Brasil para crianças
Existem várias formas de se contar a História do Brasil. Mas contá-Ia inteira, em pouco mais de uma hora de espetáculo, seria praticamente impossível. Para escapar dessa armadilha, Marcos Henrique Rego, autor e diretor do espetáculo Presiganga, em cartaz no Teatro Laura Alvim, optou por fazer um recorte de dez anos na nossa História. O período escolhido por ele, que começa em 1821, marca o retorno de Dom João VI para Lisboa, a emancipação política do país decretada por Dom Pedro I e a passagem do trono deste para seu filho Pedro, ainda criança.
Interesse na trajetória dos negros no Brasil
Embora o autor diga no programa da peça que esses fatos históricos servem como pano de fundo para que o público acompanhe a odisseia de João Benguela, um príncipe negro escravizado no Brasil, à primeira vista parece que as duas tramas se equivalem em importância. E é justamente o fato de as duas histórias serem contadas paralelamente que torna o espetáculo mais interessante para as crianças. Assim, elas têm a oportunidade de conhecer um pouco mais da trajetória dos negros no Brasil e de perceber como a nossa identidade foi influenciada pelos seus costumes.
Logo no começo da peça, os atores entram pela plateia encenando uma congada, festa em que os negros homenageiam os príncipes e reis que vieram para o Brasil como escravos. Lá pelas tantas, integrantes da comemoração começam a jogar capoeira, proibida naquela época, e são pegos em flagrante por dois soldados. Para proteger seu povo, João Benguela se entrega, sendo levado para o navio-prisão Presiganga, que dá nome ao espetáculo. A partir daí se desenrola toda a história que atravessa dez conturbados anos.
Não poderia passar despercebido no espetáculo o trabalho de pesquisa do autor, tanto no que se refere à História do Brasil quanto aos costumes, às festas e aos ritmos trazidos da África pelos negros. E isso fica explícito no caprichado programa do espetáculo, que, a apenas R$ 1, vale a pena ser comprado. Mas, na hora de fazer a transposição de sua pesquisa para o palco, o autor/diretor mescla alguns bons momentos com outros que poderiam ser evitados.
Entre os acertos da montagem destacam-se as composições originais de Fabiano Krieger, que, mesclando ritmos como jongo, samba de enredo e marcha/bolero, botam o espetáculo para cima em todas as suas intervenções. O elenco, formado por atores que cantam e dançam, e não por profissionais de canto e dança, consegue dar conta do recado tocando instrumentos variados como tambores, cavaquinho e violão, e dançando ritmos como o jongo, a congada e a capoeira. Os figurinos de Ricardo Rocha e a iluminação de Renato Machado, apesar de não terem nenhuma sofisticação, conseguem atender às necessidades do espetáculo. E o cenário, concebido pelo autor, também é muito simples, reunindo poucos objetos cênicos. O único elemento que sobressai é o navio Presiganga, uma grande estrutura de ferro que assume diferentes funções durante a peça.
Supressão de algumas cenas faria bem ao espetáculo
Por outro lado, há algumas coisas que precisariam ser revistas. O texto, a primeira delas, poderia ser enxugado. Assim como algumas cenas, entre elas a da projeção de gráficos e mapas e a da entrada de uma atriz oferecendo quitutes pela plateia: elas consomem tempo, dispersam a atenção do público e não acrescentam nada ao espetáculo. O elenco da Companhia Chronos de Teatro, formado por 12 atores, apresenta alguns problemas, entre os mais sérios o de falar mais alto do que o necessário em diferentes cenas. Os melhores desempenhos,ficam por conta de André Gracindo (Dom Pedro 1), Jackeline Lobo (Dona Leopoldina), Claudio Garcia (Major Vidigal) e Guilherme Mariz (como José Bonifácio).
Presiganga é um espetáculo que, apesar de contrabalançar altos e baixos, consegue ser bastante simpático para o público infantil.