Fotos: Waldir Damasceno

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 22.08.2014

Barra

Um vovô que ‘conserta’ pessoas entristecidas

Espetáculo do grupo mineiro Ponto de Partida viaja pelo País recuperando nossas memórias adormecidas

Um restaurador é o principal personagem do espetáculo mineiro Presente de Vô, do grupo Ponto de Partida, com a participação dos Meninos de Araçuaí. Restaurador de quê? A resposta não poderia ser mais fascinante: restaurador de lembranças. Se você se esqueceu das brincadeiras de sua infância, dos seus amigos do passado, de alguma cantiga de roda, do sabor de sua fruta preferida, da cor de seu primeiro vestido – o restaurador resolve! E ele não é ninguém menos do que aquele avô carinhoso que todos gostariam de ter para sempre. Um avô (Lido Loschi) e sua oficina de recuperar a alegria nas pessoas entristecidas pelo tempo.

Com esse mote, o grupo nos encanta do começo ao fim, construindo cenas de uma singeleza ímpar, verdadeiros tributos à delicadeza e à importância de sonhar, de brincar, de colorir a vida com nossas memórias mais felizes. Como resistir? O arrebatamento que nos acomete na poltrona do teatro é inesquecível, infalível. Mais um ponto de louvor na carreira da diretora Regina Bertola, que se emociona a cada apresentação como se fosse a primeira, contagiando a todos com seu jeito afetuoso de lidar com arte e vida.

Poucas vezes vi, em um mesmo espetáculo, um desfile tão rico de personagens muito queridos, em situações fantasiosas e bastante inventivas. Como Dona Temporina (Júlia Medeiros), que não se lembra, mas já foi menina, apesar dos óculos e das vitaminas, como diz sua canção-tema. E o seu pé esquerdo, com calos nos dedos, foi de bailarina. Ou como Dona Maria Metade (Ana Alice Souza), que, como o nome diz, fica sempre no meio de caminho de qualquer tarefa que tenha de realizar. Hilariante. Ou o trio de velhotas falastronas e longevas, Constança, Perpétua e Eterna. Que nomes bem escolhidos! É divertidíssima a cena em que as três (Carolina Damasceno, Lourdes Araújo e Soraia Moraes) cantam “Ô Rosinha, ô não chora, Ô Rosinha, ‘casadim’ também namora”. A plateia, enternecida, vem abaixo.

As canções, como em todo espetáculo do Ponto de Partida, são um caso sério. Executadas com o auxílio de ótimos músicos ao vivo (teclado, violão, sopro e bateria), elas pontuam as ações com doses extras de ternura ritmada e alegria cadenciada. Quem assina a direção musical é Felipe Moreira. “Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança, ele vem pra me dar a mão.” Como não incluiriam esta pérola de Milton Nascimento e Fernando Brant? Ela está lá, assim como as tocantes ‘Alguém Cantando’, de Caetano Veloso, e ‘Imagina’, de Tom Jobim e Chico Buarque, as pesquisas sonoras de Marlui Miranda, cirandas guaranis, cantigas de ninar africanas, batuques do Vale do Jequitinhonha, aleluias misturadas a vozes indígenas – tudo com arranjos lindos assinados pelo grupo Pau Brasil.

Há mais de uma década cuidando da preparação vocal dos numerosos e variados elencos da companhia, Babaya Morais mais uma vez diz a que veio, orquestrando com maestria os variados timbres, vozes e entonações que uma tão extensa galeria de personagens pede. É como se Babaya, desta vez, tivesse acionado em cada um deles a voz embargada que adormece nas profundezas do ‘já vivido’. Brotam na plateia muitas lágrimas e palmas em cena aberta, contribuindo para isso também as bem escolhidas citações retiradas da obra do escritor moçambicano Mia Couto.

Rendas e crochês, nos figurinos retrôs, conversam o tempo todo com a fábula narrada. Incrível como um pedaço displicente de tecido vira, em um segundo, uma noiva completa. As crianças adoram esse tipo de simbologia mágica, que foge do óbvio. Grandes painéis suspensos no palco contribuem para o jogo de sombras que se estabelece na onírica iluminação de Rony Rodrigues e Regina Bertola. Como está muito apropriadamente escrito no release distribuído para a imprensa, Presente de Vô oferece à plateia “incontáveis ferramentas de imaginar”, estimulando pais e filhos do mundo frenético das redes sociais a mergulharem em um sem fim de universos fantasiosos, usando para isso “dois únicos aplicativos: o ouvido e o coração”. Perfeita descrição do espetáculo.

Depois de concorrida temporada em São Paulo, no Sesc Belenzinho, já encerrada, Presente de Vô vai agora passar por São João Del Rei, Juiz de Fora, Curitiba, Campinas, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Programe-se. Acompanhe as datas pelo serviço abaixo.

Setembro
Dia 14 – São João Del Rei, no 11º BI MTH (Quartel)
Dia 17 – Juiz de Fora, Cine Theatro Central
Dias 20 e 21 – Curitiba – Teatro Reitoria

Novembro
Dias 1e 2 – Campinas, Teatro Municipal José de Castro Mendes
Dias 8 e 9 – Porto Alegre, Theatro São Pedro
Dias 22 e 23 – Rio de Janeiro, Cidade das Arte