Crítica publicada no Site do CEPETIN
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 2008
Pollyana ainda vive
Pollyana é um sucesso mundial publicado em 1913 por Eleanor H. Porter, traduzido no Brasil por Monteiro Lobato e publicado pela Cia Editora Nacional, de propriedade do autor. Em 1973 estava em sua 11ª edição. Foi transformada em telenovela por Tatiana Belinky e Júlio Gouveia. Foi filme em 1920 com Mary Pickford e em 1960 com Hayley Mills, além de ser uma peça teatral montada em todo mundo.
Devido ao grande sucesso a autora escreveu a continuação Pollyana Moça, publicado em 1915. Polyanna é a órfã que conquistou o coração dos moradores de Beldingsville, a cidadezinha da Nova Inglaterra, Estados Unidos, onde foi viver com a tia, depois de perder o pai. Polyana conquista o mundo, “ensinando” a todos o JOGO DO CONTENTE onde, segundo as regras de Pollyanna, tudo tinha seu lado bom e mesmo nas piores situações pode-se ver um motivo para sorrir de novo.
Em 1913, início do século XX esta visão de mundo, romântica, encantou a todos, numa época que ainda vivia os resquícios do romantismo – movimento estético filosófico que durou até meados do século XX. Polyanna traduz bem este ideal romântico.
“O romantismo caracterizou-se como uma visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Se o século XVIII foi marcado pela objetividade e pela razão, o início do século XIX seria marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu. O termo romântico refere-se, assim, ao movimento estético ou, num sentido mais lato, à tendência idealista ou poética de alguém que carece de sentido objetivo.” A obra da escritora Eleanor H. Porter é discutida por estudiosos que questionam, não só sua qualidade literária, mas exatamente sua “filosofia”, este idealismo romântico, que tende ao escapismo. Até que ponto esta seria uma história exemplar, hoje, e até que ponto teríamos motivos, no século XXI, para reviver esta teoria do “jogo do contente”, que para alguns leva ao conformismo, ao jogar uma nuvem de fumaça na realidade? Se formos buscar referências na área Psi veremos que aí também é um assunto discutível e controverso.
O texto, adaptado e dirigido por Rick Sadocco, está levando ao teatro infantil um público de senhoras que se emocionam com suas Polyanas vivenciadas em suas infâncias e juventudes. As crianças se inquietam e as senhoras lacrimejam. O espetáculo se acomoda com certa sabedoria no pequeno Espaço Rogério Cardoso. Sua concepção é de reconstituição – traz o clima de época, numa encenação “dura”, tradicional, quase antiga mesmo e de certa forma ingênua. A direção busca nos personagens os estereótipos – a tia amarga e rígida, a menina ingênua, doce e cativante, o menino levado e simpático, o velho rabugento, numa encenação quase literal do romance. O elenco: Amora Xavier, Maira Holzbach, Roberta Saboya, Tiago Abreu, Vinícius Cattani constroem seus personagens sem muitas matizes, através destes “tipos” estereotipados, sem muita força cênica também. Cenário e figurinos de Gisele Batalha e Iluminação de Anderson Ratto.
A proposta de “reconstituição” de uma época, de um pensamento, de uma filosofia romântica, talvez seja a única razão que pudesse justificar trazer para os dias de hoje este tão discutível Jogo do Contente – apenas um trabalho de resgate de uma obra clássica, embora de qualidade literária discutível, possa talvez justificar a escolha deste texto para a encenação, que, pode-se notar, é feita com sinceridade pela equipe que a montou – se percebe que realmente acreditam no jogo do contente – visto por seu lado positivo – o do próprio jogo do contente.
E a grande questão que nos fica é esta. Ao montarmos um texto teatral pensamos no que é interessante ser dito para as crianças, ou buscamos um título de sucesso, presente no imaginário coletivo de pais, que, presos a sua memória afetiva, levam seus filhos para assistirem inquietos à encenação, enquanto eles se emocionam?
Um sucesso mundial de 1913 não justifica por si mesmo sua encenação, hoje; há sucessos de época que passam descartáveis e clássicos eternos que devem sempre ser revistos. Em que ponta se situaria Pollyana? O que dizer hoje no teatro para as crianças é a grande questão que fica desta reflexão sobre Pollyana. A grande crise do teatro de forma geral e do teatro infantil, em particular, é “ter o que dizer”. O que atinge o universo infantil hoje, o que o interessa, o instiga, o provoca e o faz pensar e repensar seu papel no mundo?
Esta é questão que autores e diretores precisam buscar, antes que o teatro infantil perca o sentido de existir.