Discutindo a lei das OS e a situação Brasil atual

Modernidade: Três princípios: Estado, Empresas privadas / mercado, Comunidades.

I. Política Cultural no Mundo

1ª Observação: A Lei das O.S. está na contramão das diretrizes culturais atualmente existentes no mundo e no Brasil mesmo

1. Unesco – Representa uma tentativa oposta a todas as iniciativas da Comunidade Internacional que, desde a criação da Sociedade das Nações na década de 30 do século passado, e reiterando a Convenção de Haia, em, 1899 e o Pacto de Washington, em 1935, manifestam seu interesse na proteção e salvaguarda dos bens culturais e ambientais.

A partir da criação da UNESCO – Organização das Nações Unidas, essa preocupação se tornou crescente, e reiterada em três convenções internacionais: em 1954 ( tendo em vista os conflitos armados), em 1970 (visando a impedir o tráfico ilícito de bens culturais) e em 1972 ( tendo como objetivo “a salvaguarda do patrimônio mundial cultural e natural”), que 25 anos depois, continua sendo seguidamente reafirmada.

Pois, como afirmam, “qualquer dano ao patrimônio cultural, ou até mesmo sua deterioração, afeta a humanidade inteira, pois todo e qualquer povo contribui para a cultura mundial. Daí a expressão consagrada, de constituirem esses bens móveis e imóveis a “herança comum da humanidade”. Por isso CABE AOS ESTADOS essa “responsabilidade” e a “exigência de tutela desse patrimônio”, em estreita cooperação entre si e com os organismos internacionais ( Cfr. a obra “La Protezione del Patrimonio Mondiale Culturale e Naturale a 25 anni dalla Convenzione dell’Unesco”, que em suas 1.466 páginas mostra o número de normas internacionais, bem como de acordos internacionais referentes à proteção desse patrimônio em 15 países: Austria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Grã-Bretanha, Alemanha, Espanha, Suécia. E como para a tutela estatal recomendada foram criados organismos com funções operacionais e técnicas altamente especializadas.

Noção de “bens culturais” (imóveis e móveis): “todos os objetos que possam ter algum valor cultural, atual ou futuro”. E “sua identificação, tutela, conservação, valorização e transmissão às futuras gerações compete, em primeira instância, ao Estado” – que pode requerer, para tal, a assistência de especialistas, técnicos, mão de obra qualificada etc.
Na maioria dos países a Cultura, sendo considerada o eixo mesmo do Desenvolvimento, não atua isoladamente: o Min. da Cultura tem planejamento e ação interligados com a Educação, a Comunicação, a Ciência e Tecnologia, o Trabalho, a Saúde, o Esporte e Lazer, o Turismo.

2. França – Princípios gerais: a) Descentralização; b) Des-concentração

a. Competências e poderes locais dados a coletividades locais – as comunas (prefeituras) eleitas pelos administrados. Cada uma com um órgão deliberativo eleito po 6 anos e um agente executivo eleito dentro dele: o prefeito para a comuna, o presidente do Conselho para o departamento ( estado), o presidente do Conselho regional para a região. Cabe à região a previsão e promoção econômica ( planifiação regional, desenvolvimento econômico, organização do teritório) e sobretudo a formação jovens e adutos ( aprendizagem e formação continuada). Ao depto. (estado) assistência social, estradas e transportes, educação 2º grau e superior.

Cabe ao Estado executar as políticas nacionais e comunitárias em todas as áreas.

b. As DRAC – Direções Regionais de Assuntos Culturais são serviços des-concentrados do Min. da Cultura, encarregadas da aplicação da política cutural definida pelo governo e posta em ação pelo Min.da Cultura. Cabe-lhe promover a ação do Estado em todos os stores: equipamento cultural, preservação e valorização do patrimônio, formação, apoio à criação artistica e à difusão cultural, execução do controle científico, administrativo e técnico previstos na regulamentação.

3. Inglaterra – Uma nova visão e objetivos: a ligação das artes com a Economia Criativa, (noção que se amplia, e foi inclusive tema-base do último Forum Cultural Mundial, em 2008/RJ) que visa a: localizar as necessidades e carências existentes e/ ou o que está dando bons resultados (onde, como e porquê); o papel de cada área ou forma de arte, ou de cada projeto isolado ( estudo de caso); o incentivo a programas mais abrangentes, integrando cultura, ciência, educação, administração ( ex: formação ou aproveitamento de lideranças; novas formas de gestão); estabelecimento de parcerias com organizaçãoes de fins semelhantes, nacionais e internacionais.

4. Itália – Divisão em regiões, com atuação autônoma. Mas em cada uma cabendo ao Estado definir diretrizes, linhas de ação e providenciar os recursos financeiros e humanos para sua execução. Em dezembro de 2008, por considerar a Cultura elemento maior do Desenvolvimento, foi aprovada legislação que reduz substancialmente os tributos ou taxas que incidem sobre as atividades culturais.

5. Estados Unidos – Em 2002 foi promovido pela Fundação Rockfeller e Fundação Ford, em parceria com Universidades, um Seminário sobre Cultura e Desenvolvimento, que reuniu 32 países. Um dos pontos de maior atenção foi a “privatização da cultura”. O National Endowment for the Arts ( a espécie de Lei Rouanet americana que trabalha com dotações de PJ ou PF à cultura) foi considerado como válido apenas para a criação e manutenção da “indústria do entretenimento”. Mas não para atender aos desafios de culturais com complexidade maior e demandas de outro tipo.

6. Brasil – O paralelo entre as iniciativas em âmbito federal e estadual/ municipal mostra que, no momento mesmo em que a União busca corrigir distorções comprovadas na ação cultural com uma atuação reguladora e mais firme por parte do Estado, no RJ se fala em caminhar em sentido contrário.

Para isso, cabe examinar em detalhe:

II. O Papel do Estado

Papel do Estado e suas relações com a sociedade

Mudanças mundiais nas duas últimas décadas:

– “Estado mínimo” x Privatização crescente / desregulamentação (décadas de 80, 90)

– Globalização econômica neoliberal: democracia “de baixa intensidade”, ou seja, “ilhas de relações democráticas em arquipélagos de despotismos econômicos, sociais, raciais, regionais, comunitários”.

Consequências visíveis: Concentração. Exclusão. Desigualdades sociais e culturais. Monoculturalismo. (Características do próprio sistema).

– Crises: alimentar, energética, ambiental, econômica, exigindo a intervenção do Estado e dando-lhe papel regulador e indutor. ( Ou seja, ao Estado a competência e a obrigação de pensar em todos, no conjunto da sociedade). Donde, novas possibilidades, sobre três eixos conceituais: identidade, diversidade, desenvolvimento. E Cultura como o eixo mesmo do Desenvolvimento.

– Mudanças consequentes surgidas na regulação social ( ampliação equilíbrio estado/sociedade; nova orientação, um elemento fiscal; economia da cultura com geração de empregos e distribuição de renda etc.- (Cfr. países acima); novos paradigmas, diferentes soluções institucionais (desenvolvidas segundo sua lógica própria), experimentação (experiências piloto + avaliação comparada de desempenhos), igualdade de oportunidades para propostas diferentes e projetos alternativos.

No Brasil

Pequeno Histórico

1964: Estado centralizador / ditadura militar. Corpo social limitado e contido ( Lei de Segurança Nacional, Lei de Censura, Lei de Imprensa, Lei de Greve, Código de Telecomunicações).O Estado, para ajustar-se ao “desenvolvimento” visado – isto é, à expansão do capital monopolista sob hegemonia do capital internacional – assume funções diversas: de regulador, planejador, mediador, controlador e estimulador de crescimento do próprio capital. Para tais funções, na área da Cultura são criadas empresas estatais e mistas: Instituto Nacional de Cinema (l966), o Instituto Nacional do Livro (l966 ), a Campanha de Defesa do Folclore, o Conselho Federal de Cultura, e se ampliam o Serviço Nacional de Teatro e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico, nascidos, coincidentemente, na ditadura Vargas. Ou seja, o poder demarca a posição das diferentes classes sociais dentro de uma estrutura que se estabelece e se sedimenta por meio das políticas em que se define como poder de Estado.

Década de 70: formas de resistência e luta reativadas em movimentos sociais organizados (de mulheres, de negros, de estudantes, de operários, de comunidades). Que vão forçar uma “abertura lenta, gradual e segura” (Golbery), iniciar o processo de transição democrática, e possibilitar um avanço na organização da sociedade civil. O controle assume novas formas: no plano cultural, as primeiras Diretrizes para uma Política Nacional de Cultura (l974) e um Plano de Ação Cultural para levá-las à prática. Não raro elaborados, por necessidade de conhecimento do setor, por intelectuais (Hassemblag registra que, “de l975 a l985, seu número cresceu 187%”), muitos dos quais militantes políticos da década de 60 e conhecendo os meandros e contradições da área. Dando ao Estado o papel de “intermediário entre os agentes produtores de cultura, os representantes das coletividades regionais e os diferentes beneficiários da ação cultural”, cabendo-lhe “dar meios que atendam às necessidades e interesses dos beneficiários”, e “implantar agências e equipamentos que dinamizem e estimulem a produção cultural.

Para tal cresce ainda mais o aparelho de Estado: surge a Funarte – Fundação Nacional das Artes ( centralizando 4 áreas); amplia-se ainda mais o SNT- Serviço Nacional de Teatro; cria-se a TV-Educativa (que viria a ter 142 repetidoras em todo o país); favorece-se a expansão do rádio e da TV (em l974 já eram 75, operando em cadeias nacionais – a Tupi, a Globo e uma Independente); estimula-se o aumento da tecnologia e da tecnocracia.

Década de 80: “Nova ordem econômica mundial” (a “Trilateral” capitalista -USA, Japão e Europa Ocidental ). Estado brasileiro: “desnacionalizado”, tendo que promover a “transnacionalização” da melhor maneira possível. Idêntica desnacionalização da política e da própria Cultura. Estado hesitante entre o estímulo e o controle das atividades culturais: cortes de verbas, mas incentivo crescente à empresa privada e co-financiamento ( parceria Estado / empresa, e Lei Sarney em 1986 ) de “grandes eventos” que visam a “vender”, subliminarmente, a imagem de um “Estado mínimo”, ou um Estado “empreguista” e “corrupto” que poderá ser “salvo” pela privatização.

Municipalização, o ganho da época: alguns órgãos municipais surgem enfatizando a valorização da diversidade cultural e a afirmação do que é plural e diverso, e buscando a mobilização da sociedade civil e/ou co-gestão de espaços culturais. Refletindo também as grandes questões da década: a democratização e o fortalecimento da sociedade civil.

Década de 90: A privatização – único programa de governo em que houve empenho de Collor – foi um processo polêmico que se limitou a transferir propriedade pública para o setor privado. Na Cultura: a crescente restrição monetária e creditícia, e o aumento da carga tributária sobre pessoas físicas e jurídicas são desastrosos e justificam a expressão “o império do caos” com que se batizou sua gestão: um ator sem maiores qualificações é posto à frente da Secretaria de Cultura – a que se reduziu o Ministério anterior – com a missão de fechar a maior parte dos órgãos culturais do Estado (Embrafilme, Instituto de Cinema etc.etc.) e esvaziar, pelo corte de verbas, de pessoal e recursos, os órgãos remanescentes.

A descentralização para municípios não cobre o vazio político-cultural, que força produtores e artistas a se integrarem na lógica do mercado, crescente, ou se tornarem dependentes de subsídios tanto para a produção, quanto para a circulação. A relação Estado x produção cultural passa a ser a de apenas aprovar, por comissões avalizadoras, o apoio a ser dado aos produtores culturais por empresários e grupos privados por meio de “incentivos” a serem compensados por percentual de isenção fiscal (Lei Rouanet, Lei do ICMS, Lei do ISS etc.). E num Estado cada vez mais privatizado, a promiscuidade entre o interesse público e o interesse privado vai se ampliar ilimitadamente.

A isto se soma toda uma “indústria de produção da invisibilidade e do consentimento”, geradora de um consenso fabricado, e servindo apenas ao controle social. Mas as consequências dessa visão e ação são evidentes: submissão do social ao econômico, e do político ao técnico; desigualdades socialmente produzidas e politicamente reproduzidas; negação dos direitos de cidadania e das necessidades básicas dos excluídos; escandalosa concentração dos meios de comunicação, servindo aos interesses elitistas de uma sociedade de consumo; eliminação de qualquer relação possível entre cultura e desenvolvimento. O que permite entender a observação da CNBB:“O povo brasileiro está vivendo em uma sociedade eticamente invertida. Uma sociedade que valoriza o capital em detrimento do ser humano. O sujeito é o capital e a pessoa humana torna-se mero instrumento para a realização deste sujeito.”

(Para um detalhamento dos itens apontados conforme anexo nº 1 – Estudo feito por
MHK, a pedido da Fundação Rockfeller sobre “Cultura e Desenvolvimento”, com dados sobre a privatização da Cultura)

III. Situação Hoje (Áreas Federal, Estadual e Municipal)

1. O próprio Conceito de Cultura se mantém ainda “mercadológico” e elitista: equacionada, em geral, em termos das “belas letras” e “belas artes”, e vista como um conjunto de “bens” ou “produtos” (mercadorias) a serem transmitidos ou distribuídos por uma ação hierarquizante e vertical, mascarada por um discurso de “dar acesso à cultura”. E não Cultura em seu sentido mais verdadeiro, como expressão da extensa rede de relações do ser humano consigo mesmo, com os outros, com o mundo em que vive; sendo, por tal, um processo vivo, ativo e permanente, que não se esgota no produto obtido, mas se mantém como produção concreta – isto é, ligada a todo um contexto histórico-social, e, como tal, tendo uma gênese, uma história e transformações possíveis.

Reproduzem-se, assim, na política cultural, as características do sistema, que representam os atuais maiores desafios a uma ação cultural:

– diversidade social/ cultural
– concentração ( geográfica, social) característica do sistema
– desigualdades sociais e culturais
– ação monocultural e não desenvolvimento pluralista
– democratização vista apenas como “acesso aos produtos”, ou seja, pelo viés do consumo
– predomínio dos interesses privados ( empresa / mercado) na definição das atividades /eventos culturais

Suas expressões se tornam claramente manifestas no DIAGNOSTICO ORA EM CURSO a partir das distorções verificadas na aplicação da Lei Rouanet. (que uniu Estado e iniciativa privada). Em 11 anos de aplicação da Lei,

– foram mobilizados R$ 4,8 bilhões para atendimento a cerca de 10 mil projetos, dos quais 80% na região Sudeste e 19,84% nas quatro outras regiões do país;

– os bens e serviços que receberam tais recursos se destinaram às classes A e B, mostrando que a centralização e a concentração de recursos não é apenas geográfica, mas também de classe social,

– e que nem de longe atende à diversidade social e cultural brasileira.

– O que é comprovado por outro dado: 65% do financiamento foi gerado por renúncia fiscal ( dedução do IR), isto é, por dinheiro público. Mas, por efeito igualmente perverso do sistema, que privilegia a “consagração dos consagrados” pela mídia e o marketing, menos de 10% dos aprovados na Lei conseguem captar recursos. ( Ex: apenas 3% dos “grandes” abocanharam quase 50 % dos recursos, e para “grandes projetos” ou projetos de entretenimento). Não são contemplados (ou o são muito raramente) projetos “não-comerciais”, ou seja ( de preservação, memória, formação, pesquisa, educativos, de produção alternativa ou independente, de inovação cultural etc.etc.)

– Demonstrando também que uma “democratização” que apenas garanta o acesso aos produtos ( mesmo se, ou quando, se dá) em nada contribui para o desenvolvimento por não alterar em nada os meios de produção.

– Quanto às empresas, coerentes com sua maneira de ser, embora seu discurso atual fale (o que é significativo de mudanças …) em “responsabilidade social”, “inclusão social” etc.etc. seus critérios de escolha dos projetos a serem patrocinados são critérios de marketing ( mesmo que adjetivamente “cultural”…): visibilidade da própria marca, retorno de imagem, promoção institucional etc.

– E é enganosa a “justificativa” que pretendem dar para a concentração apontada: o mapa de distribuição de recursos não pode ser igual ao mapa de arrecadação, como querem tentar justificar.

Acresce a isso o baixo Orçamento da MinC (apenas 0,63%, o segundo menor do Orçamento do Governo) e a fragilidade consequente do Fundo Nacional de Cultura e tem-se o quadro desolador da situação da Cultura no país.

2. Proposições do MinC para a reformulação da Lei Rouanet
(como um de seus principais instrumento de ação cultural):

– As decisões relativas ao dinheiro público são de responsabilidade do Estado

– A renúncia fiscal deve cobrir 25% e não ser a fonte única de financiamento

– O FNC – Fundo Nacional de Cultura deve ter 25% próprios e 25% de caráter privado.

– Aumento da participação ou aporte das empresas privadas por meio de escalonamento de maior número de alíquotas de dedução ( entre os 30% ou 100% atuais). Das 290.000 empresas mobilizadas desde a criação da Lei apenas 6 maiores investidores fornecem 60% dos recursos captados – quadro que precisa ser ampliado.

– Junto ao FNC devem ser criados 4 novos Fundos Setoriais (Artes, Patrimônio, Livro e Diversidade Cultural) com recursos também oriundos de projetos realizados ( por ex,no caso das Artes, de % de bilheteria) e a serem aplicados pelo Govenro ( para projetos de difícil patrocínio, por ex.)

– A seleção dos projetos deverá ser feita por Comitês, que incluam também representantes da Sociedade Civil.

– Estatais e Fundações públicas poderão continuar a recorrer à Lei.

– Serão criados novas fontes de recusos e promoção – o Microcrédito, o Vale Cultura, os perentuais diferenciados de renuncia – e fortalecidas as Parcerias Público-Privadas (Hipótese: a dotação de PF).

– Será feita a transferência de recursos a estados e municípios, condicionada à existência de um Conselho local, com representação paritária da sociedade. O objetivo final é a construção de um Sistema Nacional de Cultura, suprapartidário, com governos estaduais, disponibilizando recursos e compartilhando decisões.

– Para tal, deverá ser também criado um Instituto de Estudos e Pesquisas, à semelhança do INEP Anísio Teixeira, do Ministério da Educação ( para a discussão de temas e questões e atuais, e para pensar alternativas e meios de trazê-las à prática)

– A proposta de ampliar o perfil das empresas patrocinadoras, incluindo as de faturamento menor que trabalham com lucro presumido ( só 2% do total das empresas declaram lucro real ) não foi aceita pela Receita Federal.

(Síntese de entrevistas e exposições públicas do Ministro Juca Ferreira)

3. Minhas Observações e Dúvidas Pessoais em Relação a Lei do PROFIC
(Reformulação da Lei Rouanet, com discussão em curso – conforme anexo nº 2)

Observações:

– Onde os critérios gerais? São eles apenas “Acessibilidade” e “Democratização de acesso?”

– Onde a possibilidade de uma democratização real, i.e., de dar a outros grupos ou camadas sociais m- eios de aprofundar e desenvolver sua própria cultura? De coordenar e integrar as diferentes matizes culturais que o Art. 1º da Lei do Profic contempla, ao falar em “proteção e promoção da diversidade das expressões culturais”?

– Ou é isso que se exige do CNIC, ao dar-lhe, no Art. 4º, a atribuição de estabelecer “diretrizes, normas, critérios e avaliação”?

– O que vem sendo questionado – o papel do Estado e seu “possível dirigismo”- onde estariam sendo vistos? Não seria necessário divulgar, em algum momento, a importância de não se ater apenas à “lógica do mercado” e suas consequências, como o marketing tornado diretriz e critério, a “consagração dos consagrados”, a comercialização do valor da propriedade intelectual etc.?

– Que critérios definirão, então, uma política cultural capaz de evitar que esta seja uma ação dispersa, eventual, episódica ( expressa em projetos isolados), elitista ( centrada em instituições culturais, artistas e técnicos detentores do saber e do fazer culturais, e analisados apenas ( Art. 31º) em seus “aspectos técnicos e orçamentários” e da “acessibilidade do público” ao produto ou evento em foco?

– Se o próprio conceito de democratização exige que esta atenda não apenas ao público “consumidor”, mas seja também uma democratização dos meios de produção, como
possibilitar que isto se dê?

– Se o % de faixas de dedução fiscal serão estabelecidos “segundo o interesse público
do projeto”, por que este é visto apenas em termos de “acesso do público” a um produto ou evento, ou seja, de sua difusão?

– Onde, e como, a descentralização prevista nos Art. 15º e 16º, que prevê uma ligação com estados, municípios, fundações – que, ao que se supõe, têm representatividade por estarem ligados aos agentes sociais de cada local ou região? Ou como estabelecer linhas de ação e procedimentos diferenciados de modo a atender a necessidades e reivindicações de cada área e de cada camada social?

Existe alguma previsão de novos modelos de gestão, inclusive no que se refere às parcerias público-privado?

Valendo para todo tipo de projetos apresentados:

– Verificar se há mais de um patrocinador ( em caso afirmativo, estabelecendo um sistema de cotas da patrocínio)

– Cada proponente ter direito a um projeto aprovado. Ou a um Plano Anual coerente e consistente, se acaso.

– Ver o caso de empresas que apresentam projetos próprios, para os quais pedem igualmente a renúncia fiscal. Ou o deprojtos que têm coprovada auto-sustentabilidade, mas pedem dinheiro público.

– Estabelecer uma avaliação qualitativa e sua metodologia, e não apenas quantitativa (estatísticas ou cifras) e financeira ( prestação de contas): o ipacto que causa (sobretudonocaso de comunidaes arentes), o que muda ou induz à mudança, etc; lembrando que, se no tangível se lida com produtos, nos intangíevl se lida com processos, coplexos, que exigem uma visão sistêmica ( que, ao que parece, está sendo buscada), uma ação integrada, e continuidade .

4. Pontos de Partida para uma Discussão que Possa gerar Novos Critérios e Formas de Ação:

4.1. O Papel do Estado: regulação e emancipação, que exigem repensar a centralidade do Estado, para uma “refundação” que lhe dê uma nova centralidade, aberta e atenta
– à diversidade social e cultural,
– ao reconhecimento das diferenças, da pluriculturalidade e da interculturalidade, e dos diferentes conteúdos, linguagens e expressões representativas dos universos regionais;

– à situação dos excluídos, criando novos critérios de inclusão social e formas de reduzir ou eliminar a opressão classista, étnica, racial, cultural
– à diversidade econômica e seus diferentes tipos de propriedade (estatal, individual, comunitária, cooperativada), bem como a formas outra e mais justas de distribuição de recursos

– ao controle/ regulagem do dirigismo do mercado

– à necessidade de compensação de investimentos não feitos pela iniciativa privada

– à diversidade política ( diferentes formas de organização e associação), sem cair na cilada de princípios e ação generalizadores de uma suposta “homogeneidade” da sociedade civil

– ao papel dos diferentes agentes sociais e formas de sua inclusão nas práticas, iniciativas e movimentos surgidos ou por suscitar

– ao estabelecimento de uma efetiva e equilibrada parceria público-privada na promoção, gestão, difusão e avaliação das iniciativas e atividades,

– à formação de novas alianças ou redes de atuação, capazes de gerar um pluralismo político, social e organizativo – inlcusive com o estabelecimento de formas de participação dos estados e municípios na promoção, acompanhamento e avaliação, por meio de Conselhos , de iniciativas discutidas e planejadas

– à atenção à redução das desigualdades sociais e às áreas de ineficácia comprovada bem como às áreas novas ou de experimentação possível e controlada

– às concepções e formas de atuação participativas, deliberativas, comunitárias etc. que contribuem para reduzir desigualdades com uma partilha de autoridade, ou levar a novas formas de organização de interesses baseadas em relações de hegemonia e não de domínio, exploração e controle.

– à renovação e inovação, ao estabelecimento de novos paradigmas e diferentes soluções institucionais

– à abertura de espaço à inovação e à experimentação

– à igualdade de oportunidades para propostas diferentes e projetos alternativos e/ou experiências-piloto, mais voltados para as necessidades reais de diferentes camadas da população.

Em síntese, a partir de três princípios básicos:

a) democratização

b) descentralização (geográfica e cultural)

c) des-concentração ( de recursos, dando ao Estado um percentual maior de poder de decisão). Ou seja, espaço ao re-conhecimento do “outro”, espaço a outras “leituras” de mundo, a outras formas de conhecimento e expressão, a outras realidades, a outras experiências, práticas, inovações capazes de exibir a possível e necessária coexistêcia de diferentes saberes, visões, formas de conhecimento e ação.

(Que isto é, não só necessário, como possível mostra o Anexo nº 2, que registra o balanço crítico da Confenata ( feito ao final dos anos 80 e inicio da década de 90) mostrando exatamente essas linhas de ação e os resultados obtidos pelos grupos teatrais amadores universitários, independentes, comunitários e de periferia, nessa época unidos nacionalmente em torno desses princípios)

4. 2. Critérios de avaliação dos Projetos ( propostas para discussão):

– sua avaliação em termos desses princípios de ação

– sua capacidade de responder aos desafios apontados

– reconhecimento das diferença e abertura à diversidade

– mérito do investimento: sua capacidade de gerar público, mas também o desenvolvimento de linguagens

– contrapartidas sociais oferecidas

Cada projeto ter uma pontuação (se excelente, pode ter até 100% de incentivo)

Maria Helena Küner
Dramaturga e ensaísta. Autora, entre outras obras, de Teatro em Tempo de Síntese, Teatro Popular uma Experiência e A Menina que Buscava o Sol.