Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 24.10.2014
Cia. A Peste comemora 10 anos com Pinocchio
Produção caprichada prioriza o tema do amor entre pai e filho e evita o excesso de moralismo na questão das crianças que mentem
Comentei na semana passada que o espetáculo Rei Frouxo, Rei Posto, em cartaz no Teatro Viradalata, em São Paulo, explora o tema do mau uso do poder, contando a história de um rei que prefere ficar sentado em seu pufe em vez de reinar, enquanto seus conselheiros só pensam em enriquecer e roubar – e o povo insatisfeito cobra por melhorias. Excelente opção para levar as crianças neste fim de semana de eleições presidenciais. Hoje, vou indicar outro espetáculo indicado para este momento de escolher o próximo presidente do Brasil: Pinocchio, no Teatro Eva Herz.
Sim, diante de tanta baixaria nesses debates políticos tão polarizados, em que importa menos falar a verdade do que trocar acusações venais e pouco fundamentadas, a fábula do menino que se dá mal de tanto mentir pode funcionar como ponto de partida para uma boa conversa com as crianças e jovens sobre ética e sobre o que esperar de nossos governantes.
A versão é do grupo A Peste – Cia. Urbana de Teatro (Sonhei com Charles Chaplin, Famylia Monstro e A Princesa Engasgada, entre outros), comemorando seus 10 anos e capitaneado por Pamela Duncan. A história criada pelo italiano Carlo Collodi e publicada pela primeira vez em 1883 mostra mais uma vez sua força fabular. Salvar o menino de madeira de seus imbróglios inocentes para fugir da aula, transformando-o no final em uma “pessoa de verdade”, é, talvez, a metáfora perfeita para este fim de semana em que o exercício da cidadania mais uma vez terá de ser praticado pelos brasileiros, ávidos por políticos menos caricatos e mais verdadeiros.A montagem, como todas dessa companhia, demonstra um fino cuidado com adereços, cenários e figurinos. A produção é cuidadosa e detalhista. A direção de Pamela Duncan, de novo, tira proveito de ótimas trapalhadas clownescas, do humor físico de palhaçaria e da estética da Commedia Dell’Arte. Destaque, desta vez, para a figura do Arlequino (Ricardo Aires, um excelente coadjuvante), quase onipresente em todo o espetáculo, fazendo as vezes de um contrarregra disfarçado, responsável pelas trocas na cenografia, por exemplo. Útil e divertido na medida certa.
A solução para o nariz que cresce no boneco (Jonathan Well, em composição delicada e convincente) vem do telão, como um recurso de animação, a cargo do artista multimídia Giuliano Scanduzzi. É no telão também que se projetam cenas do filme Pinocchio (2002), realizado pelo famoso cineasta italiano Roberto Benigni. Foi ótima a ideia de começar o espetáculo reproduzindo a cena inicial do filme de Benigni em que um tronco de pinho vem pulando sozinho pelas ruas até chegar à oficina de mestre Geppetto (Luiz Fernando Albertoni, sempre ótimo). É como se o tronco pulasse da tela para o palco. O efeito funciona bem.
Na dramaturgia, assinada por Pamela Duncan e Rogério Favoretto, a força está predominantemente na história de amor entre pai e filho, Geppetto e Pinocchio. “O amor materno é mais comum de ser ver na ficção”, comentou comigo a diretora, com razão. Ela também não quis incorrer em um erro moralista muito comum nas adaptações dessa história: culpabilizar demais o menino por ser mentiroso. “Criança mente, mesmo, por isso essa história atravessa o tempo e é tão universal”, me disse ela. “O que importa é o que está no coração.” Para reforçar essa ideia, o espetáculo lança mão três vezes da mesma fala, que é mais ou menos assim: “Milagres não dão em árvore, mas brotam do coração.” Uma dessas vezes é bem no final, para encerrar a peça, como se fosse “a moral da história”, tão comum nos clássicos contos de fadas.
É minha única ressalva a essa bela atração para todas as idades. Bastava, a meu ver, usar a frase uma única vez. A repetição pode justamente reiterar um moralismo desnecessário, um pieguismo meio forçado e deslocado, que destoa do restante desse eficiente espetáculo. Não percam.
Serviço
Teatro Eva Herz
Avenida Paulista 2.073, Conjunto Nacional
Telefone: (11) 3170-4033
Sábados e domingos às 15h
Ingressos a R$ 20 e R$ 10 (meia)
Até 14 de dezembro