Crítica publicada no Jornal da Tarde
Por Clóvis Garcia – São Paulo – 18.07.1987

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Fraquezas e idealismo. É o Pinóquio de Collodi.

Um dos personagens mais frequentes em nossos palcos é o boneco falante, que se transforma em menino, criado por Carlo Collodi há pouco mais de cem anos: Pinóquio, cujo nariz crescia quando aplicava uma mentira, o que era comum. Houve anos, mesmo, que tivemos mais de uma montagem de Pinóquio, com as mais diferentes adaptações, até mesmo a invenção da sua história futura, como menino.

O Grupo Tapa, vindo do Rio mas que está em São Paulo há quase um ano, com encenações para o público adulto, nos apresenta, agora, um novo Pinóquio, dirigido à plateia infantil, com uma montagem cuidadosa, utilizando-se de vários recursos, com toda a qualidade cênica que é característica do grupo, demonstrando que para o Tapa o teatro infantil é tão importante como o adulto. Quem quiser ver uma ótima encenação não deve perder o espetáculo do Teatro Aliança Francesa, que nas férias de julho também será apresentado às sextas-feiras, às 16 horas.

Para a adaptação, Eduardo Tolentino Araújo e Renato Icarahy da Silveira pesquisaram diretamente na fonte, dispensando as inúmeras versões em livro, teatro e cinema, que modificaram e, muitas vezes, deturparam o original. Assim, várias das cenas comumente eliminadas estão presentes, como a do enforcamento de Pinóquio, para que devolvesse as moedas escondidas na boca, ou o atendimento pela menina que é fada, diferente da concepção vulgarizada por Walt Disney. Pelo que nos lembramos, do original que lemos na infância, apenas o incidente em que Pinóquio, transformado em burro, é comprado por um negociante que tenta afogá-lo para usar o couro. Pinóquio é devorado pelos peixes, sobrando o corpo de madeira do boneco, é pescado por um faminto pescador, que tenta fritá-lo como os demais peixes e é salvo por um cachorro.

Esta sequência não foi aproveitada pelos adaptadores. As demais estão no palco, às vezes sucintamente, o que nos dá um Pinóquio bem de acordo com o original, com toda a sua fraqueza, mentiras, malandragem e maldades. Mesmo um certo didatismo de Collodi, e a sua visão idealista da natureza humana, não foram eliminados.

A montagem contou com a dinâmica direção de Eduardo Tolentino Araújo, com belíssimos cenários de Ricardo Ferreira, que chega a ter uns toques surrealistas (a cena final do espelho lembra Magritte), ótimos figurinos de Lola Tolentino, coreografia de Cláudio Gaya e a música, sempre inspirada, de Francis Hime, com letras de Renato Icarahy. O visual é valorizado pela iluminação de Samuel Betts.

O grande elenco tem à frente Ricardo Blat, numa interpretação cheia de força, que supera sua inadequação física ao personagem, Brian Penido, Denise Weinberg, Celso Lemos, e todos os outros, em excelentes atuações.