Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 30.05.1998
Pinóquio ressalta ritos de passagem
Completando a trilogia iniciada com Peter Pan, seguida de Alice, nos jardins do Parque Lage, a diretora Cristiane Jatahy apresenta junto com o grupo TAL sua versão para Pinóquio, a obra de Carlo Collodi. Um rápido olhar pelo repertório do grupo pode dar a ideia errada de que eles investiram no sucesso fácil dos contos de fadas, mas a plateia cativa que lota todos os espetáculos do parque já sabe que a história vai muito além do convencional.
Cristiane Jatahy centrou sua escolha em montagem que colocasse em evidência os ritos de passagem. Em Peter Pan a “descoberta da sexualidade”, em Alice “a queda sem fim dentro de si mesma” e, finalmente em Pinóquio, “a mudança e a reflexão sobre o bem e o mal.” Coerentemente, os trajetórias em diferentes movimentos. Em Peter Pan, a plateia itinerante andava por todo o parque atrás da história. Em Alice, só em volta da sede principal, agora, em Pinóquio assiste sentada, como se o espetáculo fechasse o círculo desse estranho caminho.
Tudo começa com uma caravana circense que, num desfile de atrações, agradece aos céus porque não chove. Isso para um espetáculo encenado em espaço aberto é mais conveniente. Numa cena paralela, Gepeto encontra a madeira falante e constrói seu boneco falante. A partir desse prólogo, qualquer semelhança com a história já conhecida desaparece. Pinóquio aqui não é um produto das más companhias e sim de sua natural curiosidade.
A estratégia de suprimir o maniqueísmo da trama talvez possa confundir a jovem plateia na identificação com a história. A perda do enredo linear é compensada pela ousada plástica da encenação. Além das interessantes acrobacias feitas em verdadeiros parangolés de bambu, se destaca o fake de teatro de marionetes representado por atores. De incrível pesquisa de movimentos, o elenco se movimenta além da compreensão, como mamulengos, fantoches de luvas e outras manipulações. Sem dúvida, um dos melhores momentos do espetáculo. Outra grande surpresa é a onda cenográfica que passa literalmente sobre a cabeça da plateia, indo desaguar no mar, quando a baleia engole Gepeto.
Pinóquio é um espetáculo de plasticidade e sua diretora apostou firme na técnica. Os figurinos assinados por Jefferson Miranda e Ney Madeira têm a marca dos artistas. O primeiro com suas invenções articuladas de dobraduras e enchimentos, o segundo seguindo na linha romântica de intenso colorido. Os cenários de Marcelo Lipiani são instalações que se completam nos adereços de Celestino Sobral. A manipulação de objetos animados, como o tronco desmontável de onde sai Pinóquio, é uma criação de Fernando Sant’Anna.
Em cena o apelo visual subverte a narrativa da história. Também é um caminho.
Cotação: 2 estrelas (Bom)