Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 13.07.1976

Barra

Roberto de Castro (Grupo Carroussel): há pais que gostam… 

Eis um exemplo-síntese de toda a visão teatro-comercial de Roberto de Castro: não sabendo como resolver cenicamente o engolimento, pela baleia, de Pinochio, do Grilo e de Gepeto, o que faz o diretor? Fecha as cortinas, coloca ruídos incompreensíveis na sua mais que deficiente aparelhagem de som, pisca as luzes e faz os atores falarem atrás do pano do pano para informar ao público que estão sendo engolidos. Como se vê, um primor de imaginação. (Ou seria apenas falta de interesse? O público vai de qualquer forma!)

É esta mesma visão cada vez mais comercial e cada vez menos teatral que orienta o trabalho do “adaptador” Roberto de Castro. Ao tomar o tema já bem conhecido para transformá-lo em peça de teatro, não houve qualquer interesse (ou seria, apenas, falta de talento?) de captar a essência da história, ou a atmosfera, ou a exuberante fantasia. Roberto de Castro apenas cria quatro cenas: feitura do boneco; prisão no circo; engolimento pela baleia; e sua transformação em ser humano. Mas não há interesse em essência, atmosfera ou fantasia. Roberto de Castro quer, apenas, que a história de Pinochio seja um veículo para que a plateia berre um nome para o boneco; grite absurdamente até que acordem os personagens de sono pesadíssimo; quer que as crianças digam “para onde ele foi”; quer agitar os pequenos espectadores para, depois, ameaça-los (“Se abrirem a boca, dou uma bengalada”); quer passar falsas lições moralizadoras (“Não quero que falte a um só dia de aula”/ “Nada de falar com ninguém na rua”/ “É isso o que acontece com meninos desobedientes”/ “É isso o que acontece com meninos desobedientes”/ “É isso que acontece a meninos que mentem”).

E a visão mais comercial que teatral (e não estamos tratando de teatro para adultos e sim de teatro para crianças – seres em formação!!) que orienta o trabalho do “produtor” Roberto de Castro: ele não se importa, em nenhum momento, com o fato de que seu eterno cenário de todas as peças (leia-se “rotunda”) não cubra totalmente o palco. Em nenhum momento ele se preocupa com a coexistência (teatralmente nada pacífica) de seu cenário com o da peça Bonifácio Bilhões. Se, forçando um pouco a barra, podemos admitir que a biblioteca de Bonifácio Bilhões possa fazer parte da oficina de Gepeto (e, para isso, teríamos de jogar ao lixo qualquer noção de estilo), é, todavia, indiscutível que tal conjunto de livros não caiba, de forma alguma, dentro do cenário (leia-se “rotunda”) de um circo. E, muito menos, na barriga de uma baleia. Mas isso não preocupa o autor – diretor – produtor Roberto de Castro (será o cenógrafo também?). O que preocupa Roberto de Castro é manter em cartaz, ao mesmo tempo, várias peças: Pinochio, o Boneco que Virou Gente, (o próprio título já mata a surpresa (???) final da peça), Pernalonga e o Lobo ChupetaBranca de Neve e os Sete Anõezinhos e Chapeuzinho Vermelho. Como qualquer pessoa de bom senso nota sem precisar ser muito perspicaz, dificilmente uma produção tão expressiva quantitativamente (leia-se “comercialmente”) poderia trazer bons resultados artísticos.

E os críticos? Será que eles perturbam o comércio de Roberto de Castro ao assistir suas peças e ao apontar suas escandalosas deficiências (por falta de interesse ou de talento, pouco importa)? Roberto de Castro acha que sim. E, por isso, proibiu a entrada do crítico do Globo, deixando esse simpático recado na bilheteria: “Se o Clovis Levi aparecer, só entra se pagar CR$ 15,00”. O autor-diretor-produtor (cenógrafo?) Roberto de Castro enganou-se duas vezes. Primeiramente, ao pensar que nós vamos influenciar seu desavisado, fiel e imenso público. Há muito tempo que os críticos de teatro infantil vêm chamando a atenção para as falhas conscientes de suas peças e, nenhum momento esse público diminuiu. É possível que tenhamos, apenas, evitados que aumentasse. Segundo engano: pensar que, por causa de CR$ 15,00 cruzeiros, o crítico vai deixar de cumprir a sua função.

Em Pinóchio, o Boneco que Virou Gente, dois atores merecem destaque. São os que fazem Pinóchio e Grilo. Muita firmeza, soltura e comunicabilidade. Gostaria de citá-los nominalmente, mas a produção, preocupada com seu comércio particular, não se interessa em identificar seus atores. O que, comercialmente, é coerente: o anônimo será sempre mais mal pago que um nome conhecido.

Quando vemos uma adaptação de Cinderela por Maria Clara Machado (A Verdadeira História da Gata Borralheira), e uma adaptação de Pinochio, por Roberto de Castro, sentimos, de forma nítida, a diferença que existe entre um artista e um comerciante. Mas que importa? Há pais que preferem o comerciante.