Crítica publicada em O Globo
Por Mànya Millen – Rio de Janeiro – 22.01.2000
Pianíssimo: Volta aos palcos a bela peça em que Tim Rescala retrata a sua paixão pelos sons.
Um espetáculo que revela ao público o prazer da descoberta da música
Encenada pela primeira vez em 1992 por Karen Acioly, Pianíssimo, uma ode de amor à música assinada pelo compositor Tim Rescala, encantou plateias e conquistou justíssimos prêmios com a delicada história da menina Clara e sua aversão e posterior paixão por um imponente piano de cauda. Inicialmente interpretada por seis atores e com um piano de verdade no palco, esta belíssima composição de Tim voltou à cena pelas mãos da diretora Lúcia Coelho e tendo como única protagonista a atriz Cláudia Mele.
Para quem viu a primeira montagem, com um elenco afinado movimentando e colorindo o impecável texto de Tim, o prazer de aplaudir Cláudia sozinha no palco se multiplica. Contracenando com bonecos de papel em tamanho natural, ela conduz o espetáculo com leveza e graça, revezando-se na pele de Clara, de Dona Gema (a mãe zelosa, mas over, que entope a filha de aulas diversas para compensar suas próprias frustrações artísticas) e Dona Euterpe (a rigorosa e antiquada professora de piano, que quase afasta Clara da música), além de outros personagens secundários.
E para quem acabou de ser apresentado à Pianíssimo, o tour de force de Cláudia não deixa lacunas que possam evidenciar a ausência de outros atores. Com sutis mudanças de voz e postura corporal e o auxílio de um figurino básico criado por Ney Madeira (autor também dos eficientes cenários e adereços que lembram as ilustrações dos velhos livros de histórias), a atriz vai se desdobrando em muitas e conquistando o público.
Direção valoriza a atriz, o texto e as músicas.
A concepção e direção segura e delicada de Lúcia coelho é visível do início ao fim, valorizando o carisma da atriz, mas sem perder de vista a importância do texto. E, principalmente, das músicas de Tim, um compositor aqui particularmente inspirado, como comprova sua divertidíssima versão para o Bolero de Ravel, feita com sons de bichos. Em cada uma das canções, ora engraçadas ora líricas (todas interpretadas por Cláudia), ele expressa em letra e melodia sua admiração pela música e sua preocupação em mostra-la como uma arte maravilhosa e acessível (até o entregador do piano leva seu sambinha).
“Pois qualquer pessoa, pode a música contagiar”, atesta a mais bela canção da peça. E o espectador vai descobrindo junto com Clara a magia dos sons do piano. De início emburrada com a chegada do instrumento, que a faria substituir as brincadeiras com as bonecas pelas aulas e castigos de Dona Euterpe, Clara encontra um novo amigo, que conversa com ela e lhe mostra a beleza da música tocada com prazer e sentimento.
Por isso, Pianíssimo se revela, novamente, um daqueles espetáculos que o público deve guardar na memória, nos ouvidos e no coração.