Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 14.11.1999
Loucura teatral das melhores
Pianíssimo, texto escrito por Tim Rescala no começo da década de 90, já ganhou várias versões. Por inspiração de seus diretores, a peça foi ambientada em diversas épocas para contar a mesma história. Sob a batuta de Karen Acioly, foi encenada no século 19; a versão mineira se passou nos anos 60; a montagem atual é atemporal e ganha mais um recurso: é teatro de bonecos de papel manipulado por uma só atriz. O resultado é belíssimo.
Diretora de Pianíssimo, em temporada no Teatro Dina Sfat, da Universidade Gama Filho, Lucia Coelho é uma craque no teatro de manipulação, tendo criado um grupo de teatro de manipuladores de bonecos que já completou 20 anos de existência e que volta e meia se reúne no palco para matar as saudades. Dessa vez a diretora vai além da técnica convencional, que tão bem conhece, como a dos bonecos de luva, de fio e manipulação de objetos, para investir numa técnica pouco usada: personagens recortados em display, sem possibilidade de muita articulação, mas de grande efeito visual. Numa brincadeira dentro da outra, os personagens de papelão lembram muito as antigas bonecas de papel recortado, brinquedo preferido das meninas que já passaram dos 40. O revival chega ao palco novinho em folha.
Pianíssimo conta à história de Clara, uma menina filha de pais separados que tem que cumprir uma maratona de atividades extraclasse, entre elas, aulas de piano. Entre brigas e acerto com a mãe e a duríssima professora, Eutherpe, Clara se apaixona pela música quando seu piano ganha vida.
No palco, fazendo todos os papéis (Clara, mãe, professora, vizinha, carregadores e o próprio piano), Claudia Melle é uma espécie de homem-banda a tocar seus instrumentos. Num espetáculo sem pausa, a atriz troca o personagem diante da plateia em perfeita sincronia. Misturando a técnica de manipulação com a performance de ator. Cláudia está atenta, não só as nuances dos personagens mas às mudanças rápidas da direção, que a fazem manipular ou viver o mesmo personagem. Isto é, Claudia Melle manipula o boneco Clara, que contracena com a atriz vivendo a professora Eutherpe. Depois tudo se inverte. Uma loucura teatral das melhores.
Lucia Coelho concebe um espetáculo ágil de fortes recursos cênicos que se transformam num exercício para atriz e diretora. Os bonecos, cenários e figurinos, criados juntos com Ney Madeira e Fernando Sant’Anna, preenchem o palco por inteiro e, muito mais do que a novidade da técnica, está em cena a delicadeza da diretora em lidar com elementos tão lúdicos, mas de difícil manipulação. O desafio tanto para uma como para outra é plenamente recompensado. As canções originais de Tim Rescala fazem parte integrante da trama e levam o público a cantar junto, não só pela melodia, mas pela estratégia da repetição. Mais um acerto desse divertido musical. Pianíssimo é uma peça de fôlego que coloca em cena o desafio da representação. Nesse ringue para dois, sai vencedora a plateia.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)