Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 07.10.1995
Espetáculo de pura plasticidade
Petruska, o balé dançado por Nijinsky no Theatre de Chatelet, em Paris, em junho de 1911, é um marco de descomportamento na dança contemporânea. A coreografia teatralizada de Michel Fokine para a música de Stravinsky, sob a direção de Sergei Diaghilev, foi o resultado da união do talento dos três artistas, que juntos criaram a história para o palco. Ambientada na placa de São Petersburgo, em pleno carnaval, o balé começa com o povo em busca de diversão. Na praça, artistas circenses fazem suas acrobacias, feras amestradas são exibidas e vendedores de lembranças também se encontram em plena atividade. Ao fundo do palco, Petruska, Liuma e Omar, títeres de pano, porcelana e madeira, são manipulados por um mago charlatão (Paulo Trajano). Ao toque de sua flauta, os bonecos ganham vida e aí começa a história.
Carlos Augusto Nazareth, apaixonado pelo balé dançado por Nijinsky e depois por Nureyev, trabalhou cinco anos na adaptação da obre para o palco. Do original, além das duas músicas e suas coreografias, centrou sua atenção no triângulo amoroso – Arlequim, Pierrô e Colombina – formado pelos bonecos depois que se libertam dos cordões e começam a viver suas próprias vidas. Compreensivelmente, mas não sem prejuízo, cortou todas as cenas de multidão, supereficientes tanto na dança como na montagem para o teatro. Assim, o texto, mesmo que extremamente poético, tem estrutura frágil e tênue fio condutor. Os personagens já bastante definidos desde o início da peça, agem na trama previsível, sem muitas possibilidades de revelar alguma novidade além das já enunciadas. Liuma brinca com o amor de Petruska, enquanto se diverte com Omar. O mago, vendo os bonecos fugirem do seu controle, arma um jogo de situações que fatalmente terminará em tragédia. A libertação de Petruska, através da morte, é o ponto alto da trama.
Se o autor Carlos Augusto Nazareth reverenciou demais o original, para não banalizar a obra, sua direção resgatou o espetáculo, controlando todos os detalhes com precisão milimétrica. Nazareth deu a seu elenco rico material para compor seus personagens.Petruska, vivido por Wilson Belém, é o boneco de pano, o boneco dos pobres costurado a mão pelas mães e pelas avós para que suas crianças não fiquem sem presentes em datas significativas. Liuma (Carolina Virgüez) é a boneca de porcelana, uma artista circense que pretende ultrapassar os limites do picadeiro e se tornar uma bailarina clássica. Omar, o mouro, é o exótico não ocidental, aquele que seduz só pela estampa. É o boneco de madeira, interpretado por Maurício Grecco com presença marcante.
Os cenários de Ronald Teixeira, em sintonia com a visão do diretor, são reproduções de Chagall, em fundo vermelho de grande impacto. As figuras que emolduram o grande telão são todas alusivas ao circo e aos brinquedos russos. O resultado de grande beleza se amplia pela iluminação de Djalma Amaral, que buscou inspiração em técnicas artesanais do teatro. Os figurinos de Ney Madeira são de eficiente colorido.
Completando a unidade da encenação, as coreografias de Vera Lopes foram criadas com movimentos bastantes teatrais e as musicais de Caíque Botkay seguem o mesmo caminho de descartar o óbvio. Todos os elementos reunidos se convertem num espetáculo de pura plasticidade.
Classificação 3 estrelas (Ótimo)