Matéria Publicada no JB / Revista Programa
Por Arliete Rocha – Rio de Janeiro – 31.03. a 06.04.2006
Nova versão de Peter Pan ganha montagem luxuosa depois de atrair 200 mil espectadores em 1990
Voando Alto: Com orçamento de R$ 400 mil, nova montagem de Peter Pan tem produção digna de teatro adulto.
Em tempos de orçamentos minguados para a cultura, as superproduções teatrais são cada dia mais raras, tamanha a dificuldade e o tempo que se leva para captar verbas gordas. No teatro infantil nem se fala. É possível contar nos dedos o número de espetáculos caprichados e que não subestimam a inteligência das crianças. Felizmente, vez ou outra surgem boas surpresas para os pequenos espectadores. O filé mignon do momento é a nova montagem do premiado musical Peter Pan, encenado há 15 anos sob a direção de Sura Berditchevsky. Até hoje a peça é recorde de bilheteria do teatro infantil: levou 200 mil espectadores ao palco do Villa-Lobos.
É nesse mesmo teatro que Sura estreia sábado a versão 2006 do clássico de James Barrie, escrito em 1904. Pelos números que envolvem a produção, a montagem é coisa de gente grande. A começar pelo tempo que pretende permanecer em cartaz: seis meses. Orçada em R$ 400 mil, tem ingressos a R$ 30 e 1h15 de duração, quando a maioria dos espetáculos infantis dificilmente passa dos 50 minutos. As crianças sequer sentirão o tempo passar.
Quer mais? O musical tem 53 atores em cena. A trilha sonora original, criada para a primeira montagem, é de Edu Lobo e Paulo César Pinheiro, com a participação de Caetano Veloso, que canta Acalanto. De quebra, a peça conta com vários efeitos especiais, que no entanto não deixam a diretora esquecer dos ensinamentos da mestra Maria Clara Machado, fundadora do Tablado – Sura é cria da veterana escola de atores.
– Apesar dos recursos técnicos disponíveis, procurei não abusar dos efeitos especiais para privilegiar a linguagem do teatro. Nada mais mágico do que o trabalho do ator para contagiar e surpreender a plateia, afirma a diretora.
Purismos à parte, para contar a história de um dos heróis preferidos do imaginário infantil, Sura faz uma bem equilibrada união entre a técnica teatral e efeitos especiais para encher os olhos da garotada. A diretora preserva a essência da história, mas carrega nas referências ao Brasil. Na Terra do Nunca, habitada por piratas, sereias e os célebres meninos perdidos, também vivem índios que falam tupi e usam trajes do Xingu. A saga do menino que não queria crescer e sua luta contra o temível Capitão Gancho é contada a partir de um quase sonho da menina Wendy, que na adaptação aparece como uma típica adolescente da Barra da Tijuca. Ao lado dos irmãos João e Miguel, ela é transportada para a Terra do Nunca, deparando-se com um mundo estranho e aventureiro.
Piratas, sereias e meninos perdidos, em uma analogia com as nossas crianças desaparecidas, povoam esse mundo, onde Peter Pan aparece como líder e grande herói. A disputa entre o bem e o mal culmina numa batalha coreográfica reunindo todo o elenco. O ponto alto da luta é o duelo final entre Peter Pan e seu inimigo, que, é claro, acaba levando a pior. Além de não escapar dos golpes certeiros de Peter, o destino de Gancho são os dentes de um jacaré. O mesmo que já havia devorado uma das mãos do pirata e volta para terminar o serviço.
Apesar da grandiosidade da produção, Sura optou por um elenco jovem, selecionado em escolas de teatro, como o Tablado, a Uni-Rio e em periferias como o Complexo da Maré.
– Mesmo com pouca experiência eles têm uma vivência maior com o teatro do que muitos nomes famosos, afirma a diretora.
As exceções ficam por conta de Janser Barreto, que interpretou Peter Pan na primeira montagem e volta a encabeçar o elenco do espetáculo, e Fernando Caruso, ótimo como Capitão Gancho, escoltado por seu fiel escudeiro Barrica (Júlio Levy). No caso de Janser, 44 anos, o desafio foi superar os limites físicos para conseguir a agilidade dos movimentos de Peter Pan.
– Na época da primeira montagem, a minha forma era garantida por anos de ginástica olímpica. Quando recebi o convite da Sura, não corria nem de ladrão, brinca.
A solução foram seis meses de treinamento com o professor de educação física Alexandre Figueiredo, que se tornou quase um personal training do ator e garantiu os saltos mortais e a resistência necessária para os voos do herói.
Janser garante que, às vezes, comporta-se como uma criança, mas não esconde a preocupação com os cabelos grisalhos que teimam em aparecer. Nada que impeça o encantamento de Wendy, interpretada pela atriz Isabel Pinheiro, de 19 anos, que usa sua bela fisionomia para criar uma Wendy com jeitinho de princesa.
Outro grande achado foi a escalação do ator Fernando Caruso para encarnar o Capitão Gancho. Sem histrionismo e tirando partido do seu tipo físico, Caruso criou um vilão impagável, que sabe dosar a crueldade do personagem com as cenas de pastelão que divide com o atrapalhado Barrica.
– Estou achando o máximo o meu primeiro vilão, ainda mais o Capitão Gancho, que de todos é o mais cruel, diz Caruso, também cria do Tablado e que reveza o papel do pirata com uma aparição no início da peça como o comportado pai de Wendy.
Envolvendo cerca de 90 pessoas entre técnicos e atores, Peter Pan reúne uma equipe de peso. Para transportar a plateia ao mundo mágico da Terra do Nunca, a cenógrafa Lídia Kosovski criou estruturas móveis e suspensas, com telões e adereços de cena, que vão revezando-se para compor os diversos cenários da peça. Em questão de instantes, o quarto de Wendy dá lugar a uma floresta; em seguida surge uma aldeia de índios, um lago com sereias, onde navega, imponente, o navio dos piratas.
Os figurinos de Pedro Sayad ganharam peças costumizadas, que criam um estilo próprio para cada um dos personagens. Nos trajes dos índios, Sayad manteve os materiais rústicos para garantir uma certa autenticidade, reforçada pelas pinturas corporais de Sílvia Cadaval.
Para abrigar toda essa produção, Sura ainda teve que encontrar um teatro que atendesse às necessidades da montagem.
– Um bom teatro deve ter profundidade, altura, boa acústica e espaço suficiente nas coxias para que maquinistas, iluminadores, contrarregras e atores possam trabalhar. É nesse espaço que me expresso melhor, diz.
Ela se emocionou ao saber que um antigo maquinista do Villa-Lobos guardou o contrapeso que servia para realizar o voo de Peter Pan na primeira versão do espetáculo. Se depender da diretora e sua trupe, o voo do menino que não queria crescer será alto.
Parte do elenco foi escolhido no Complexo da Maré.
Truques Artesanais
A concepção no novo Peter Pan é a mesma de 15 anos atrás. A montagem está mais sofisticada, mas preserva uma atmosfera bem artesanal. Para criar os figurinos, Pedro Sayad partiu do próprio texto, em vez de se inspirar em outras encenações ou filmes. Os meninos perdidos, por exemplo, se separaram dos pais ainda bebês e, portanto, não foram ensinados a fazer coisas básicas, como se vestir. “Misturo peças de bebês e uniformes de babás. Como eles nunca viram essas roupas antes, vestem tudo trocado”, explica.
Também chama a atenção o figurino das sereias. As caudas foram feitas de espuma e purpurina e as perucas com tecidos cortados em espiral.
Os efeitos especiais se renderam a novas tecnologias para atrair a atenção dos videogames, mas todos os truques são simples. “Os recursos de luz, som, figurinos e malabarismos estão a serviço da encenação”, explica Sura, uma das primeiras a usar o voo de atores sobre a plateia. Janser Barreto e as crianças vão repetir a façanha suspensos por cintos. Graças à iluminação o efeito é de um verdadeiro voo.
Outra cena que deve empolgar a plateia é a do Capitão Gancho sendo devorado pelo jacaré, através de um alçapão no chão do palco.
E a fada Sininho tem um destaque especial, aparecendo em vários pontos do palco. São oito fantoches iluminados, manipulados pelos próprios atores de dentro da coxia.
Serviço
Peter Pan
Teatro Villa-Lobos
Avenida Princesa Isabel, 440, Copacabana
F: 275-6695
Capacidade: 450 pessoas
Sáb. e Dom., às 17h.
R$ 30
Duração: 1h15
Classificação Etária: Livre
Até outubro