Pedro no Mundo da Imaginação

Crítica publicada no Site do CEPETIN
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 25.02.2008

 

 

Barra

Cuidado! Isso não é teatro!

“Pela arte as crianças podem ousar sem medo, explorar, experimentar, perceber novas capacidades. A arte desenvolve a cognição, a capacidade de aprender. A arte leva os indivíduos a comparar coisas, a passar do estado das ideias para o estado da comunicação, a formular conceitos e a descobrir como se comunicam esses conceitos. Todo esse processo leva a criança a ser capaz de ler e analisar o mundo em que vive e a dar respostas mais inventivas”.
(Ana Mae Barbosa – Arte-educadora, Profª do Depto. de Artes da USP)

“Eu odeio efeitos pirotécnicos, odeio o ‘bonitinho’. Espetáculos ‘bonitinhos’ não têm nada a ver com arte: grandes montagens, grandes cenografias, tecnologias invadindo o palco e demais coisas que abafam a figura principal do teatro, que é o ser humano. Esses espetáculos não têm nada a ver com o teatro, com a arte.”
                                                                                          (Antunes Filho, diretor e pesquisador teatral)

“Teatro: um espaço, um homem que ocupa este espaço, outro homem que o observa e a consciência de uma cumplicidade entre os dois”.
                                                                                           (Fernando Peixoto – diretor, autor, ensaísta)

“É preciso, ao preparar um espetáculo de Teatro Infantil, levar em conta que o trabalho necessita ser dobrado, a interpretação tem de ser verdadeira, não pode ser faz de conta. O Teatro Infantil é coisa muito séria e vai além de uma simples apresentação para crianças. E não basta caras e bocas e musiquinhas animadinhas para se ter um espetáculo infantil.
                                                                                                                                   (Paulo Scaldassy)

Poderíamos elencar mil outras citações sobre Teatro e Arte, sob diferentes ângulos. No entanto, estamos chegando à conclusão de que no momento dois fenômenos bem diversos ocupam os palcos cariocas, e que se dá a ambos, indevidamente, o nome de teatro.

Um, a que chamaríamos de teatro, aquele que é centrado na arte dramática, onde um bom texto precisa ser dito, e bem dito, por atores, com verdade, através de uma construção cênica que propicie à criança uma experiência artística, que mobilize seu potencial humano, sua razão e emoção. Aquele onde o trabalho do ator é a substância primeira, o criar é a motivação principal, o discutir o mundo e o estar-no-mundo, o foco principal. Aquele que é uma (re) afirmação do homem no mundo, mostrando ao ser humano quem ele é, ajudando-o a lidar consigo mesmo e seu entorno em constante mutação. E tudo isto através da ação dramática, do ser humano (ator)em situação na cena do mundo.

Um outro tipo que surgiu e ora domina a cena de muitas casas de espetáculos – sobretudo no caso das situadas em “shoppings” – busca atender ao público classe média alta que lota a plateia do espetáculo “ensanduichado” entre o passeio pelas vitrines e a lanchonete depois, preenchendo a tarde livre disponível. Com um espetáculo que tanto poderia ser assistido numa plateia convencional, como numa fila da Disneylândia enquanto se esperasse para comprar ingressos para o desfile de figuras. Um “espetaculum” (etimologicamente, algo “para os olhos”), amontoando imagens e figuras cuja movimentação e rapidez pretendem divertir ou prender a atenção do espectador, reforçadas por alguns ingredientes permanentes: música muito alta, inúmeros efeitos especiais, correria em cena, uma iluminação de “show”, onde uma bateria de contraluz azul, vermelho e amarelo “colore” o espetáculo e uma luz branca faz uma iluminação frontal, apenas clareando a cena; e um ator “global”, de preferência, , para pelo menos tentar garantir a mídia. Nenhum desenho cênico, como seria fundamental no teatro. Sem consciência de que ação dramática e movimentação ou corre-corre em cena não são em absoluto a mesma coisa. Apenas gritaria, caras e bocas, musiquinhas, pseudo-coreografias, tombos, muitos tombos e um “grand finale” apelando para os aplausos de uma plateia muitas vezes aturdida e perplexa.

Como vemos, são dois fenômenos bem distintos. Um exemplo recente do segundo: “Pedro, no mundo da imaginação”, espetáculo que despertou em nós muitas perguntas. Como nos recusamos a acreditar que os produtores tenham em vista apenas o resultado da bilheteria, ficamos nos perguntando: será por equívoco na realização, desconhecimento dos verdadeiros recursos da linguagem teatral, ou inconsciência em relação a seu “muito barulho por nada” que o espetáculo é o que é? Será que os criadores do espetáculo (autor, diretor, elenco etc.) não veem o que vimos: uma plateia em que os pais é que gritam e seguram as ingênuas mãozinhas dos filhos de 2 ou 3 anos e literalmente batem uma na outra para fazê-las “participar” do que ocorre na cena; crianças que, excitadas pela gritaria do palco e pela gritaria da plateia, se dispersam, falam, conversam, choram, pedem para ir embora e a mãe diz: “Agora não. Presta a atenção” e conta pro filho aturdido o que está acontecendo em cena, ou pelo menos o que ela está conseguindo entender – pois não se ouve o texto, já que os atores não conseguem projetar a voz, e as letras das músicas, mal gravadas em “play back” e que supostamente contariam o que ocorre, dificilmente são entendidas.

A válida ideia central – “se, levadas pela preguiça, as crianças deixassem de ler, as personagens das histórias ficariam presas no mundo da imaginação e…” – não passa: a tentativa de concretizá-la em personagens em ação se perde, tal como as conclusões possíveis, em meio a atores que gritam e não se escuta o que gritam, correm e não se entende porque correm. Atuar, representar, construir um personagem que conduza uma história? Isto não acontece. Tudo se concentra em um visual que pretende ser grandiloquente, mas na verdade não passa de uma cortina de fundo com algumas incompreensíveis projeções e mais nada. Os atores em cena, com figurinos e gestual espalhafatosos, para chamar a atenção, não revelam personagens (leva-se um bom tempo para se perceber quem é quem), nem mantêm um mínimo de coerência estética. Fumaça, bolhas de sabão, confetes, “efeitos” completam o “show”.

A peça pretende “ensinar que é importante ler”. O teatro que quer “ensinar” merece discussão à parte, pois já dizia o incompreendido Brecht no Pequeno Organón, “o teatro não foi feito para ensinar nada.”

Portanto, se o que vemos ali não é teatro, o que temos aqui não é uma crítica dentro dos cânones ortodoxos de uma crítica. É um comentário que, expressando o que pensamos sobre o espetáculo em foco, visa abrir um espaço de reflexão. E como nosso Site e Boletim estão atingido um número cada vez maior de pais e professores, cabe perguntar-lhes: que tipo de aproximação com a Arte estão propiciando à criança? Que consequências em sua formação enquanto ser humano esta experiência teatral pode lhe trazer?

Pois um pai que leva o filho, ou o professor que indica uma peça, precisam estar bem informados. E, se acreditam que Teatro Infantil é isso mesmo, estão sendo enganados de forma insidiosa.

Elenco

Davi Lucas
Bernardo Mendes
Carolina Oliveira
Maria Clara Zincone
Nina Frosi
Cleber Salgado
Cláudio Galvan
Victor Frade
Ronan Horta
Fenícia Mayrink
Guilherme Martins.

Ficha Técnica

Texto e Direção: Fred Mayrink;
Direção de Produção: Felipe Mayrink;
Produção Executiva: Isabel Alves;
Direção Musical e Arranjos: Mú Carvalho;
Cenografia: Renata Richard;
Figurino: Edson Galvão;
Coreografia: Mareliz Rodrigues;
Iluminação: Luciano Xavier;
Caracterização: Fabiola Xavier;

Local: Teatro Clara Nunes – Shopping da Gávea.