Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 26.07.1986
Das Estepes Russas para os Trópicos
Prokofiev foi um compositor russo que viveu neste século entre Moscou e Paris (1891-1953), entre a resistência à estética oficial da Revolução de 1917 e o inegável amor às tradições e á cultura de seu país. Em meio às obras instrumentais e vocais que deixou, é extremamente conhecida a composição que narra musicalmente uma
história popular russa, Pedro e o Lobo.
O enredo se organiza em torno de um velho que mora numa cabana na floresta, com seu neto, um gato e uma pata. O apelo da primavera e o primeiro canto de um pássaro atraem Pedro, o neto, que sai de casa e se encontra com o lobo feroz que atemorizava todos os habitantes da região. Mas com a ajuda do pássaro, salva os amigos e torna-se um herói, orgulho do avô. Em português, há uma versão de 1969, adaptada por Heló, em edição da Brasil-América. Além disto, uma antiga gravação, também adaptada do filme de Walt Disney, Música Maestro!, com uma narração dramática de Paulo Roberto, que acompanha a narrativa musical onde as personagens estão identificadas com instrumentos de corda e sopro, num arranjo que mistura tensão e bom humor.
Pois esta história ingênua e cativante que metaforicamente fala de sair para o mundo, expor-se e sobreviver por seu próprio engenho e arte, está no exíguo palco da Cândido Mendes, numa versão de Beto e Denise Crispun.
Na trilha do bom humor, esta versão ipanemense de Pedro e o Lobo atualiza o discurso para os maiores, fazendo uso de expressões e referências de linguagem vindas de outro contexto, como a TV e a publicidade, em tiradas espirituosas.
Para os bem pequenos, a versão guarda as emoções e os sustos que fazem o suspense e a surpresa da narrativa tradicional.
Um encaixe providencial desta história em outra permite conservar o recurso a um narrador explícito, marca indelével da literatura oral. Aqui ele é o bobo da corte deste reino que, ameaçado pelo lobo, declara aberta a temporada de cala,
através de oficiais de seu exército. A rainha promete recompensas e conclama a população a fiscalizar os caminhos do terrível inimigo.
No espaço diminuto deste teatro de arena, a inventividade faz milagres para localizar a cabana e o lago, a floresta e o salão de audiência real. É uma produção extremamente despojada – lugar forçado no teatro infantil – mas nem
por isto compromete a agilidade do trabalho de Luiz Salem que também faz o bobo e o lobo. A direção explora exatamente este aspecto lúdico que comuta tensão e distensão em cena.
A música, como não poderia deixar de ser, pontifica, desde a primeira cena, quando o tema é apresentado em Coro a capela pelo grupo de atores. Depois desdobra-se e se mistura com ritmos modernos que ajudam a carnavalizar a
versão. A iluminação de Marcos Quinderé atua apenas como grifo para o clima emocional de cada cena.
Mais que os figurinos, um bom trabalho corporal e cênico ajuda a caracterizar as personagens – animais, convincentes em seu desempenho. Exceto por certas falas que se perdem no meio do palco, Pedro/Jonas Torres dá conta do recado e
da missão de matar o lobo, e no final do espetáculo, distribui autógrafos no programa da peça.
A exiguidade dos recursos e a adaptação não desvalorizam o bom trabalho técnico do grupo e o texto original. Para o público de Denise e Beto Crispun, depois do sucesso de Morangos e Lunetas, fica confirmado o respeito pela sensibilidade e inteligência infantis.