Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 08.11.1980

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Navegando cada vez mais longe

O Grupo Navegando com Passa Passa-Tempo, em cartaz no Teatro Gláucio Gill, dá mais um passo para caracterizar-se como um conjunto de pessoas que tem uma linguagem muito particular, um estilo muito definido, uma maneira bem própria de estabelecer sua comunicação com a plateia infantil. Começando pelo premiado Duvide-o-dó e chegando, agora, a  Passa Passa-Tempo, o núcleo formado por Lucia Coelho, Caíque Botkay e Cica Modesto já aparece no panorama do teatro infantil carioca como criador de um espetáculo que pode chamar “tipo Navegando”.

Em Passa Passa-Tempo, o texto de Lúcia Coelho e Caíque Botkay, direção de Lucia Coelho e visual de Cica Modesto, o maior destaque é, sem dúvida, para o trabalho de Cica. Criadora dos cenários, figurinos, bonecos e adereços. Cica Modesto é quem dá o grande show, num trabalho de bom gosto, bom acabamento e – o principal – de imensa criatividade. O Ovo de Colombo do cenário (que abre e fecha como aquelas figuras recortadas dos livros infantis; com o livro aberto, o quadro se arma; com o livro fechado, a figura se dobra), as cores, as belezas dos figurinos, o charme dos adereços, tudo isso cria um visual muito forte, fundamental mesmo para que o espetáculo nos interesse na hora em que o vemos e para que o espetáculo permaneça em nossa mente, tempos depois, com suas fortes e expressivas imagens.

A direção de Lúcia Coelho segue uma linha bem visível nos três espetáculos citados. Seus trabalhos surgem sempre, para o público, como uma caixinha de surpresas onde a cada instante um toque mágico reelabora o espaço e modifica totalmente as imagens. A dinâmica visual da encenação esta menos no movimento do ator e mais na reestruturação cenográfica, que ora nos põe em contato com Balões-de-Encher-Ondas do Mar, ora nos fascina com um galinheiro onde existe um galo muito doido, ora nos mostra um balão de gás levando as crianças para o espaço. O espetáculo vive também de certo “non-sense” e o que ele perde, em alguns instantes, quando parece um tanto “descosido”, consegue compensar bem, pois cada momento “descosido” tem valor, graça, criatividade, e acaba tendo vida própria.

Em Passa Passa-Tempo, a música de Caíque Botkay, não aparece com a força de seus trabalhos anteriores e o grupo ainda continua sem resolver a deficiência de não cantar bem. Dessa forma, os números musicais acabam sem expressividade. Num texto que mostra a gradativa perda do espaço das crianças para brincar, levando-as de um pátio amplo para apartamentos apertados, talvez pudesse ser mais explorada essa dor antes de ser tomada logo a decisão de ir para os céus, de balão. Como esta  decisão surge meio abrupta e sem que o público tenha tempo suficiente para se sentir também uma vítima, como as crianças. No elenco, destaque para Andréa Dantas, num trabalho verdadeiro, convincente e que consegue passar o charme infantil; para Fernanda Coelho, muito engraçada como vendedora de amendoins; e para o trabalho de corpo de Fábio Pilar. O elenco de um modo geral, precisa trabalhar melhor sua emissão vocal. A luz de Eduardo Aldenucci auxilia na criação dos climas deste Passa Passa-Tempo, seguramente um dos espetáculos para crianças mais criativos em cartaz no Rio de Janeiro.